segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Protestar e resistir pelo Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável


Maria Emília Pacheco*
No dia 16 de outubro, desde 1981, por iniciativa da FAO, órgão do sistema das Nações Unidas que trata da Alimentação e Agricultura, celebramos o Dia Mundial da Alimentação. Mais de 150 países no mundo organizam diversas atividades e a data já é uma das mais destacadas do calendário da ONU.
“O clima está mudando. A alimentação e a agricultura também”, foi o tema deste ano. O que podemos fazer a respeito, pergunta a FAO. E responde sugerindo que lutemos contra as mudanças climáticas, mudando hábitos cotidianos e tomando decisões simples. Convida-nos a eleger algumas iniciativas como: (i) conservar os valiosos recursos naturais do planeta, evitando desperdiçar água, diversificar a dieta, comprar produtos ecológicos, manter limpo solos e água; (ii) desperdiçar menos comprar só o que se necessita, limitar o uso de plástico, escolher frutas e hortaliças com sabor e  qualidade sem se fixar na aparência e ainda (iii) que sejamos  conscientes como consumidores(as), mantendo-nos  informados sobre as mudanças climáticas, usando a bicicleta, caminhando ou viajando em transporte público.
Não há como refutar essas propostas e entender que somos instados como cidadãos e cidadãs a nos engajarmos na defesa dessa causa.
Mas cabe-nos, sobretudo, perguntar sobre a responsabilidade dos estados nacionais e da própria  ONU. Não é a soma de ações individuais que responderá pelas ameaças, desafios e impactos no sistema alimentar no mundo sob o efeito das mudanças climáticas, elas próprias provocadas pelo modelo dominante de exploração da natureza, das práticas da agricultura convencional, do  crescimento da indústria de alimentos ultraprocessados  e da crescente adoção das  medidas neoliberais pelos governos.  
Nesse contexto há resistência. É importante informar que desde 2015, durante a 21ª Cúpula sobre Clima que teve lugar em Paris, ocorreu a  iniciativa de criar um Tribunal contra a Monsanto no Dia Mundial da Alimentação deste ano. Uma  iniciativa emblemática que coloca em questão o poder das corporações.
A Assembleia dos Povos é um tribunal cidadão informal que acusa a gigante americana Monsanto de produção de sementes transgênicas e fabricante de pesticidas, de cometer os crimes de “ecocídio” , em relação ao meio ambiente, e de violação dos direitos humanos.
Cinco juízes profissionais internacionais ouviram 30 testemunhas, incluindo cientistas, agricultores e apicultores, durante os três dias dedicados a esta importante  iniciativa. O tribunal dará um parecer consultivo legal destinado a alimentar as leis existentes, sobretudo, por meio da criação de jurisprudência no Direito Internacional.
Libertem nossas sementes! Libertem nossos alimentos! Este é o clamor dos camponeses e das camponesas, protestando contra o cerco crescente ao direito do livre uso da biodiversidade, contra os transgênicos, contra a ameaça de liberação da tecnologia “terminator”, mais conhecida como sementes suicidas.
Os reais produtores de alimentos são os agricultores e agricultoras que garantem a preservação da polinização, a conservação dos solos e a biodiversidade como co-criadores e co-produtores da natureza e fornecem cerca de 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas.
Mas os marcos regulatórios, em debate atualmente e cada vez mais defendidos pelo poder do agronegócio e indústria de alimentos,  atendem aos interesses de mercado. Como se vê no Brasil, as ameaças de mudança da lei de cultivares, e a nova  lei de acesso aos recursos genéticos,  a flexibilização da lei de agrotóxicos e a proposta de pagamento por serviços ambientais colidem com o direito à alimentação adequada e saudável, com o direito às  salvaguardas das expressões culturais da alimentação como  patrimônio cultural de quem produz e também do direito dos consumidores.  
Por isso é fundamental que nos mobilizemos contra essas ameaças.
 Depois de comemorarmos a saída do país do Mapa da Fome, em 2014, com a redução dos índices de insegurança alimentar e redução da pobreza, estamos diante dos riscos de voltar a este lugar de indignidade e de violação dos direitos com a proposta da PEC 241 de congelamento de gastos públicos.
Possíveis consequências das medidas previstas na PEC poderão ser a revogação ou alteração da política de valorização do salário mínimo (SM) e  mudanças nas regras de acesso e  valor dos benefícios previdenciários e assistenciais.
Programas com caráter emancipatório como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que em sua evolução determinou que pelo menos 30% dos recursos sejam investidos na compra direta de produtos da agricultura familiar, medida que estimula o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades, podem estar em risco, assim como o Programa  Saúde nas Escolas.
“Nenhum direito a menos” é o clamor das organizações sociais. Por isso, o momento é de conclamar a sociedade civil a resistir e denunciar retrocessos e desmontes das políticas públicas.
*Maria Emília Pacheco é antropóloga, assessora da Fase (Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional) e atualmente no exercício da presidência do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).  


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