terça-feira, 29 de janeiro de 2013

MG – Montes Claros: Seminário debate impactos das mudanças climáticas na agricultura familiar


Avaliar cenários e impactos das mudanças climáticas sobre a agricultura familiar e construir estratégias de enfrentamento aos desafios apontados pela nova realidade climática é o propósito do Seminário Mudanças Climáticas e Agrobiodiversidade no Semiárido Mineiro. O evento, promovido pela Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro e Centro de Agricultura Alternativa – CAA/NM,  acontecerá em Montes Claros, nos dias 29 e 30 de janeiro.
O seminário inicia amanhã (29), às 14h no plenário da Câmara Municipal. No mesmo dia será aberto o primeiro painel de discussão – Mudanças climáticas, cenários futuros e impactos na agricultura familiar do semiárido de Minas Gerais, com a presença de pesquisadores, meteorologistas, organizações de assessoria, agricultores e agricultoras. Ao longo da quarta-feira (30), o debate acontece no Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, com debates direcionados para o impacto das mudanças climáticas na agricultura familiar e consequências sobre a segurança alimentar para os povos que vivem nesta região. Além disso, serão debatidas as políticas públicas direcionadas a estes temas.
Fernanda Monteiro, pesquisadora do CAA-NM e coordenadora do evento, afirma que entre os objetivos está a identificação de indicadores de mudanças climáticas e das práticas e estratégias de enfrentamento frente os desafios apontados. “Queremos construir um entendimento mais amplo do público sobre o que está acontecendo, os efeitos que sobre a agricultura  e segurança alimentar da região”, relata.
Estarão presentes no evento pesquisadores de instituições federais de ensino e pesquisa,  organizações de assessoria do campo agroecológico e representantes do Ministério de Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente e Subsecretaria da Agricultura Familiar/SEAPA-MG. Participam ainda agricultores familiares e representantes dos povos e comunidades tradicionais do Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha. “Estamos juntando o conhecimento técnico cientifico com o saber local. Muitas vezes eles observam efeitos semelhantes com pontos de vista distintos”, destaca Fernanda.
Internacional - Com o apoio do Fundo de Repartição do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura sob a gestão da FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, o evento ganha proporção internacional. “As mudanças estão acontecendo em todos os locais, mas vamos olhar para a nossa região. O semiárido pode ser uma das mais atingidas”, diz Fernanda.
Ainda durante o evento, haverá um momento de Troca de Sementes Crioulas,  variedades nativas da região, conservadas pelos agricultores e agricultoras de forma tradicional por  gerações, adaptadas ao clima e a biodiversidade local.
Programação
29/01/13: TARDE – Local: Câmara Municipal de Montes Claros
14h – Mesa de Abertura:
Marcelo Broggio (Secretaria do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a
Agricultura e a Alimentação /FAO)
Representante do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
Representante da Articulação Semiárido Mineiro
Representante da Prefeitura Municipal de Montes Claros
Representante da Câmara Municipal de Montes Claros
14h30 – Painel 1: Mudanças climáticas, cenários futuros e impactos no semiárido de Minas Gerais
Debatedores: Daniela Lins (Centro e Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas a Agricultura/UNICAMP)
Carlos Fernando Lemos (Universidade Federal de Viçosa)
Antônio Gomes Barbosa (Articulação no Semiárido Brasileiro)
Elizângela Ribeiro de Aquino (Agricultora do Norte de Minas)
Reginaldo Antônio Mota (Agricultor Vale do Jequitinhonha)
Moderador: Carlos Dayrell (Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas)
16h – Café.
16h30 – Debate.
18h – Encerramento.
30/01/13: MANHÃ – Local: Auditório Bloco C – ICA/UFMG
8h – Painel 2: Mudanças climáticas, agroecossistemas e resisliência.
Debatedores: Manoel Baltasar (Universidade Federal de São Carlos)
Jean Marc von der Weid (Articulação Nacional de Agroecologia)
Cristovino Ferreira Neto (Agricultor do Norte de Minas)
Valteir Antunes (Agricultor do Vale do Jequitinhonha)
Moderador: Claudenir Fávero (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri)
9h30 – Café
10h – Plenária/debate
11h30 – Encerramento.
12h – Almoço.
13h – Espaço de Troca de sementes.
30/01/13: TARDE – Local: Auditório Bloco C – ICA/UFMG
14h – Painel 3: Agrobiodiversidade, segurança alimentar e políticas públicas.
Debatedores: Rubens Nodari (Universidade Federal de Santa Catarina)
Silvio Porto (Companhia nacional de Abastecimento)
Jaime Alves dos Santos (Agricultor do Norte de Minas)
Dalci José de Carvalho (Agricultor do Vale do Jequitinhonha)
Moderador: Delacyr Brandão (Universidade Federal de Minas Gerais)
15h30 – Café.
16h – Plenária/debate
17h – Encerramento.
30/01/13: Noite – Local: Solar dos Sertões – Praça da Matriz – Montes Claros
19h – Painel 4: Contribuição dos povos e comunidade tradicionais e as políticas nacionais relacionadas
às mudanças climáticas
Debatedores: Braulino Caetano dos Santos (Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais/Articulação
Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas)
Decanor Nunes (Fórum de Convivência com o Semiárido do Vale do Jequitinhonha/ASA-MG)
Edmar Gadelha (Subsecretaria da Agricultura Familiar/SEAPA-MG)
Representante do Ministério do Meio Ambiente
Representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário
Marciano Toledo (Movimento dos Pequenos Agricultores/Grupo Carta de Belém)
Moderador: Gabriel Fernandes (GT Biodiversidade/Articulação Nacional de Agroecologia)
20h30 – Plenária/debate.
22h – Confraternização.
31/01/12: – Local: Auditório Bloco C – ICA/UFMG
8h – Trabalho de grupo: Reflexões sobre o seminário e a experiência do DTAT.
Debatedor: Augusto Santiago (Coordenadoria Ecumênica de Serviço)
9h30 – Café.
SERVIÇO:
Seminário: Mudanças climáticas e agrobiodiversidade no semiárido mineiro: avaliação de cenários e construção de estratégias de enfrentamento.
Data: 29 e 30/01
Locais: Abertura: Câmara Municipal (29), Debates: ICA/UFMG (30 durante o dia) e Mesa de Encerramento (Solar dos Sertões).
Contatos: Helen Santa Rosa – 38-3218-7700/9179-0800/9850-4127 e Henrique Corrêa – 9126-1356
Enviado por Tania Pacheco -

Ecossocialismo: rumo a uma nova civilização, por Michael Löwy


As atuais crises econômica e ecológica são parte de uma conjuntura mais geral e histórica: nós estamos confrontados com uma crise do atual modelo de civilização, a civilização capitalista/industrial moderna ocidental, baseada na expansão e acumulação ilimitadas do capital, na “comoditização de tudo” (Immanuel Wallerstein), na cruel exploração do trabalho e da natureza, no individualismo e na competitividade brutais, e na destruição massiva do ambiente. A ameaça crescente de colapso do equilíbrio ecológico aponta para um cenário catastrófico – o aquecimento global – que coloca em perigo a própria sobrevivência da espécie humana. [1]
O ecossocialismo é uma tentativa de fornecer uma alternativa civilizacional radical, enraizada nos argumentos básicos do movimento ecologista, e na crítica marxista da economia política. Ele contrapõe ao progresso destrutivo capitalista (Marx), uma política econômica fundada em critérios não-monetários e extra-econômicos: as necessidades sociais e o equilíbrio ecológico. Esta síntese dialética, formulada por um largo espectro de autores, de James O’Connor até Joel Kovel e John Bellamy Foster, e de André Gorz (em seus primeiros escritos)  até Elmar Altvater, é, ao mesmo tempo, uma crítica à “ecologia de mercado”, que não se confronta com o sistema capitalista, e ao “produtivismo socialista”, que ignora a questão dos limites naturais.
De acordo com James O’Connor, o objetivo do socialismo ecológico é uma nova sociedade baseada na racionalidade ecológica, no controle democrático, na igualdade social e no predomínio do valor de uso sobre o valor de troca. Eu acrescentaria que estes objetivos requerem: (a) propriedade coletiva dos meios de produção, – “coletiva” aqui significando propriedade pública, cooperativa ou comunitária; (b) planejamento democrático que torne possível que esta sociedade defina metas de investimento e produção, e (c) uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas. Em outras palavras, uma transformação social e econômica revolucionária. [2]
O problema das tendências dominantes entre a esquerda, durante o século 20 – social-democracia e o movimento comunista inspirado na União Soviética –, é a sua aceitação ao modelo realmente existente de forças produtivas. Enquanto a primeira se limitava a uma reformada – no máximo keynesiana – versão do sistema capitalista, a segunda desenvolveu uma forma de produtivismo coletivista – ou capitalista de estado. Em ambos os casos, a questão ambiental permaneceu fora de vista, ou foi marginalizada.
Marx e Engels, eles mesmos, não foram indiferentes às conseqüências ambientalmente destrutivas do modo de produção capitalista: existem várias passagens no Capital e outros escritos que apontam para esse entendimento. [3] Além disso, eles acreditavam que a meta do socialismo não é produzir mais e mais bens, mas dar aos seres humanos tempo livre para que eles possam desenvolver completamente suas potencialidades. Nessa medida, eles têm pouco em comum com o “produtivismo”, isto é com a idéia de que a expansão ilimitada da produção é um fim em si mesmo.
Contudo, existem algumas passagens em seus escritos que parecem sugerir que o socialismo irá permitir o desenvolvimento das forças produtivas, além dos limites impostos sobre elas pelo sistema capitalista. De acordo com essa abordagem, a transformação socialista tem a ver somente com as relações capitalistas de produção, que se tornaram um obstáculo ­ – “correntes” é o termo freqüentemente usado – ao livre desenvolvimento das forças produtivas existentes; o socialismo significaria, mais do que a apropriação social dessas capacidades produtivas, colocá-las a serviço dos trabalhadores. Citando uma passagem do Anti-Dühring, uma obra canônica para muitas gerações de marxistas: no socialismo “a sociedade toma posse de forma ampla e sem desvios das forças produtivas que se tornaram muito grandes” para o sistema existente. [4]
A experiência da União Soviética ilustra os problemas resultantes da apropriação coletivista do aparato produtivo capitalista: desde o início, a tese da socialização das forças produtivas existentes predominou. É verdade que, durante os primeiros anos após a Revolução de Outubro, uma corrente ecológica foi capaz de se desenvolver, e certas medidas de proteção (limitadas) foram tomadas pelas autoridades soviéticas. Contudo, com o processo de burocratização Stalinista, as tendências produtivistas, tanto na indústria como na agricultura, foram impostas com métodos totalitários, enquanto os ecologistas foram marginalizados ou eliminados. A catástrofe de Chernobyl é um exemplo extremo das desastrosas conseqüências dessa imitação das tecnologias produtivas ocidentais. Uma mudança nas formas de propriedade, que não é seguida pelo controle democrático e por uma reorganização do sistema produtivo, só pode terminar em uma rua sem saída.
Os marxistas poderiam se inspirar nos comentários de Marx sobre a Comuna de Paris: os trabalhadores não podem tomar posse do aparato de estado capitalista e colocá-lo para funcionar a seu serviço. Eles têm que “quebrá-lo” e substituí-lo por uma forma radicalmente diferente, democrática e não-estatizante de poder político.
O mesmo se aplica, mutatis mutandi, ao aparato produtivo: por sua natureza, sua estrutura não é neutra, mas está a serviço da acumulação de capital e da expansão ilimitada do mercado. Ele está em contradição com as necessidades de proteção ambiental e com a saúde da população. Devemos, portanto, “revolucioná-lo”, em um processo de transformação radical. Isso pode significar, para certos ramos da produção, descontinuá-los: por exemplo, usinas nucleares, certos métodos de pesca industrial em massa (responsáveis pelo extermínio de várias espécies nos oceanos), o desmatamento destrutivo das florestas tropicais, etc. (a lista é muito longa!). Em todos os casos, as forças produtivas, e não somente as relações de produção, têm que ser profundamente modificadas – em primeiro lugar, através de uma revolução no sistema energético, com a substituição da matriz energética – essencialmente fóssil – responsável pela poluição e envenenamento do ambiente, por outras renováveis: água, vento, sol. É claro que muitas descobertas científicas e tecnológicas da modernidade são preciosas, mas o sistema produtivo como um todo deve ser transformado, e isso só pode ser feito por métodos ecossocialistas, isto é, através de um planejamento democrático da economia, que leve em conta a preservação do equilíbrio ecológico.
A questão da energia é decisiva para esse processo de mudança civilizacional. Matrizes fósseis (petróleo, carvão) são responsáveis por grande parte da poluição planetária, como também pelas desastrosas mudanças climáticas; a energia nuclear é uma falsa alternativa, não somente pelo perigo de novas Chernobyls, mas também porque ninguém sabe o que fazer com as milhares de toneladas de lixo radioativo – tóxico por centenas, em alguns casos milhares de anos – e as gigantescas e obsoletas usinas contaminadas. A energia solar, que nunca levantou muito interesse nas sociedades capitalistas, por não ser “lucrativa” nem “competitiva”, deveria se tornar objeto de pesquisa e desenvolvimento intensivos, e cumprir um papel fundamental na construção de uma matriz energética alternativa.
Setores inteiros do sistema produtivo devem ser suprimidos ou reestruturados, novos devem ser desenvolvidos, sob a necessária pré-condição de pleno emprego para toda a força de trabalho, com condições iguais de trabalho e salário. Essa condição é essencial, não somente porque é um pressuposto de justiça social, mas também para assegurar que os trabalhadores apoiem o processo de transformação estrutural das forças produtivas. Esse processo é impossível sem o controle público sobre os meios de produção e planejamento, isto é, decisões públicas sobre os investimentos e mudanças tecnológicas, que devem ser retiradas dos bancos e empresas capitalistas, a fim de servir ao bem estar da sociedade.
A própria sociedade, e não mais uma pequena oligarquia de donos de propriedades – nem uma elite de tecnoburocratas – será capaz de escolher, democraticamente, quais linhas produtivas deverão ser privilegiadas, e o quanto de recursos que será investido em educação, saúde ou cultura. Os próprios preços das mercadorias não serão entregues às “leis da oferta e da demanda”, mas, até certo ponto, determinados segundo opções sociais e políticas, assim como critérios ecológicos, levando à taxação de certos produtos, e subsidiando o preço de outros. Idealmente, enquanto a transição ao socialismo segue adiante, mais e mais produtos e serviços seriam distribuídos de graça, a partir da decisão dos cidadãos. Longe de ser “despótico”, o planejamento é o exercício, do conjunto da sociedade, de sua liberdade: liberdade de decisão, e libertação das alienadas e reificadas “leis econômicas” do sistema capitalista, que determinam a vida e a morte dos indivíduos, e os encarceram em uma “gaiola de ferro” (Max Weber). Planejamento e a redução do tempo de trabalho são os dois passos decisivos da humanidade rumo ao que Marx chamou de “o reino da liberdade”. Um substancial aumento do tempo livre é, na verdade, uma condição para a participação democrática do povo trabalhador na discussão democrática e na administração da economia e da sociedade.
O conceito socialista de planejamento nada mais é do que a radical democratização da economia: se as decisões políticas não serão deixadas para uma pequena elite de administradores, porque não usar o mesmo princípio para as decisões econômicas? Eu estou deixando de lado a questão da proporção específica entre planejamento e mecanismos de mercado: durante as primeiras etapas de uma nova sociedade, os mercados certamente continuarão a ter um papel importante, mas na medida em que a transição para o socialismo avance, o planejamento se tornará mais e mais predominante, em oposição às leis do valor de troca.
Enquanto que no capitalismo o valor de uso é somente um meio – freqüentemente uma fraude – a serviço do valor de troca e do lucro – o que explica, a propósito, porque tantos produtos na sociedade atual são substancialmente inúteis – em uma economia socialista planejada o valor de uso é o único critério para a produção de bens e serviços, com importantes conseqüências econômicas, sociais e ecológicas. Como Joel Kovel observou: “O desenvolvimento do valor de uso e a correspondente reestruturação das necessidades torna-se agora o regulador social da tecnologia, ao invés, sob o capital, da conversão do tempo em mais-valia e dinheiro”. [5]
Em uma produção racionalmente organizada, o plano preocupa-se com as principais opções econômicas, e não com a administração de pequenos restaurantes, armazéns e padarias, pequenas lojas, empreendimentos artesanais ou serviços. É importante ressaltar que planejamento não é contraditório com a autogestão dos trabalhadores sobre suas unidades de produção: enquanto a decisão de transformar uma montadora de veículos, em uma que fabrique ônibus e trens é tomada pela sociedade como um todo, através de um plano, a organização interna e o funcionamento dessa fábrica devem ser democraticamente geridos pelos seus trabalhadores.
Tem havido muita discussão em torno do caráter “centralizado” ou “descentralizado” do planejamento, mas poderíamos argumentar que a questão real é o controle democrático do plano, em todos os seus níveis, local, regional, continental e, assim esperamos, internacional: questões ecológicas, tais como o aquecimento global, são planetárias, e só podem ser resolvidas em uma escala global. Alguém pode chamar essa proposição de planejamento democrático global, o que é bastante diferente do que é usualmente descrito como “planejamento centralizado”, já que as decisões econômicas e sociais não são tomadas por nenhum “centro”, mas democraticamente decididas pela população interessada.
O planejamento ecossocialista, portanto, está alicerçado em um debate democrático e pluralista, em todos os níveis onde as decisões serão tomadas: proposições diferentes são submetidas às pessoas interessadas, na forma de partidos, plataformas, ou outros movimentos políticos, e delegados serão eleitos. Contudo, a democracia representativa deve ser completada – e corrigida – pela democracia direta, onde as pessoas diretamente escolhem – no nível local, nacional e, mais tarde, global – entre opções sociais e ecológicas principais: o transporte público deveria ser gratuito? Os proprietários de carros particulares deveriam pagar impostos especiais para subsidiar o transporte público? A energia solar deveria ser subsidiada, para competir com a energia fóssil? As horas de trabalho semanais deveriam ser reduzidas para 30, 25 ou menos, mesmo que isso signifique redução da produção? A natureza democrática do planejamento não é contraditória com a existência de técnicos, mas seu papel não é o de decidir, mas o de apresentar suas visões – comumente diferentes, se não contraditórias – à população, e deixar que ela escolha a melhor solução.
 Qual a garantia de que o povo vá fazer as escolhas ecológicas corretas, mesmo que tenha de abrir mão de alguns de seus hábitos de consumo? Não existe essa “garantia” senão a aposta na racionalidade das decisões democráticas, uma vez que o poder do fetichismo no consumo tenha sido quebrado. Obviamente, erros serão cometidos nas escolhas populares, mas quem acredita que os especialistas também não cometem seus erros? Não se pode imaginar o estabelecimento dessa nova sociedade, sem que a maioria da população tenha adquirido, pelas suas lutas, sua auto-educação, e sua experiência social, um alto nível de consciência socialista/ecológica, o que torna razoável supor que erros – incluindo decisões que sejam inconsistentes com as necessidades ambientais – sejam corrigidos. Em todo caso, as alternativas propostas – o mercado cego, ou uma ditadura ecológica de “especialistas” – não serão mais perigosas que o processo democrático, com todas as suas contradições?
A passagem do “progresso destrutivo” capitalista para o ecossocialismo é um processo histórico, uma transformação revolucionária permanente da sociedade, cultura e mentalidades. Essa transição levará não somente a um novo modo de produção e a uma sociedade igualitária e democrática, mas também a um modo de vida alternativo, uma nova civilização ecossocialista, além do reinado do dinheiro, além dos hábitos de consumo artificialmente produzidos pela publicidade, e além da produção ilimitada de mercadorias inúteis e/ou que causam danos ao meio-ambiente. É importante ressaltar que tal processo não pode começar sem uma transformação revolucionária das estruturas sociais e políticas, e o apoio ativo da vasta maioria da população ao programa ecossocialista. O desenvolvimento da tomada de consciência socialista e ecológica é um processo, onde o fator decisivo é a experiência coletiva de luta das massas, dos confrontos locais e parciais, até a transformação radical da sociedade.
Deve-se perseguir o desenvolvimento, ou escolher o “crescimento negativo” (décroissance)? Acho que essas duas opções compartilham uma concepção puramente quantitativa de “crescimento” positivo ou negativo, ou de desenvolvimento das forças produtivas.  Existe uma terceira posição, que me parece mais apropriada: uma transformação qualitativa do desenvolvimento. Isso significa colocar um fim ao monstruoso desperdício de recursos pelo capitalismo, baseado na produção, em larga escala, de produtos desnecessários e nocivos: a indústria de armamentos é um bom exemplo, mas grande parte dos “bens” produzidos no capitalismo – com sua obsolescência programada – não tem outra utilidade a não ser gerar lucro para as grandes corporações. A questão não é o “consumo excessivo” em abstrato, mas o atual tipo de consumo, baseado, como é, na apropriação conspícua, desperdício massivo, alienação mercantil, acumulação obsessiva de bens, e a aquisição compulsiva de pseudo-inovações impostas pela “moda”. Uma nova sociedade deveria orientar a produção no sentido da satisfação das autênticas necessidades, começando por aquelas que poderiam ser descritas como “bíblicas” – água, comida, vestuário, habitação – mas incluindo também os serviços básicos: saúde, educação, transporte, cultura.
Obviamente, os países do Sul, onde essas necessidades estão longe de estarem satisfeitas, vão precisar de um nível muito maior de “desenvolvimento” – construindo ferrovias, hospitais, sistemas de esgoto e outras obras de infra-estrutura – do que os países industrialmente avançados. Mas não existe razão de por que isso não possa vir acompanhado de um sistema produtivo que seja ambientalmente amigável e baseado em matrizes energéticas renováveis. Esses países precisarão plantar grande quantidade de alimentos para alimentar suas populações famintas, mas isso pode ser mais bem alcançado – como os movimentos camponeses, organizados mundialmente pela Via Campesina, têm defendido há anos – com uma agricultura agro-ecológica baseada em unidades familiares, cooperativas ou fazendas coletivas, melhor do que os métodos destrutivos e anti-sociais do agronegócio industrializado, baseados no uso intensivo de pesticidas, agrotóxicos e transgênicos.
Ao invés do atual e monstruoso sistema de dívida, e a exploração capitalista dos recursos do Sul pelos países industrializados/capitalistas, deve haver um fluxo de ajuda técnica e econômica do Norte para o Sul, sem a necessidade – como alguns ecologistas ascéticos e puritanos parecem acreditar – de que as populações da Europa e da América do Norte “reduzam seu padrão de vida”: elas só vão se libertar do consumo obsessivo, induzido pelo sistema capitalista, de produtos desnecessários, que não correspondem a nenhuma real necessidade.
Como distinguir as necessidades autênticas das artificiais, falsas e transitórias? Estas últimas são induzidas pela manipulação mental, isto é, propaganda. A publicidade invadiu todas as esferas da vida humana nas sociedades capitalistas modernas: não somente alimentação e vestuário, mas também esportes, cultura, religião e política, moldados segundo suas regras. Ela invadiu nossas ruas, caixas de correio, telas de TV, jornais, paisagem, de uma maneira permanente, agressiva e insidiosa, e contribui decisivamente para hábitos de consumo conspícuos e compulsivos. Além disso, ela desperdiça uma astronômica quantidade de petróleo, eletricidade, tempo de trabalho, produtos químicos e outras matérias-primas – todas pagas pelos consumidores – em um tipo de produção que não é somente desnecessário, de um ponto de vista humano, mas diretamente contraditório com as necessidades sociais reais.
Enquanto a propaganda é uma dimensão indispensável da economia de mercado capitalista, ela não teria lugar em uma sociedade em transição para o socialismo, onde ela seria substituída pela informação sobre bens e serviços, fornecidos por associações de consumidores. O critério para distinguir uma necessidade autêntica de uma artificial é sua persistência depois do fim da publicidade (Coca Cola!). É claro que, durante vários anos, velhos hábitos de consumo persistiriam, e ninguém tem o direito de dizer ao povo quais são as suas necessidades. A mudança nos padrões de consumo é um processo histórico, assim como um desafio educacional.
Vários bens, como o carro individual, trazem problemas mais complexos. Os automóveis privados são uma praga pública, matando e mutilando centenas de milhares de pessoas anualmente em escala mundial, poluindo o ar nas grandes cidades, com conseqüências horríveis para a saúde das crianças e dos idosos, e contribuição significativa para as mudanças climáticas. Porém, eles correspondem a uma necessidade real, transportando as pessoas para o trabalho, casa ou lazer. Experiências locais em algumas cidades européias, com administrações com preocupação ecológica, mostram ser possível – com a aprovação da maioria de suas populações – limitar progressivamente o percentual de automóveis individuais em circulação, em privilégio de ônibus e trens. Em um processo de transição para o ecossocialismo, onde o transporte público – de superfície ou metrô – seria amplamente estendido, e grátis, e aonde pedestres e ciclistas teriam vias protegidas, o carro particular teria um papel muito menor do que na sociedade burguesa, onde ele se tornou um fetiche – promovido por uma propaganda insistente e agressiva – um símbolo de prestígio, um signo de identidade – nos Estados Unidos, a carteira de motorista é a identificação reconhecida – e o centro da vida pessoal, social ou erótica.
O ecossocialismo é baseado em uma aposta, que já foi de Marx: o predomínio, em uma sociedade sem classes e liberta da alienação capitalista, do “ser” sobre o “ter”, isto é, do tempo livre para a realização pessoal de atividades culturais, esportivas, prazerosas, científicas, eróticas, artísticas e políticas, ao invés do desejo pela posse infinita de produtos. A compra compulsiva é induzida pelo fetichismo pelas mercadorias inerente ao sistema capitalista, pela ideologia dominante e pela publicidade: ninguém provou que isso é parte de uma “natureza eterna humana”, como o discurso reacionário pretende nos fazer acreditar. Como Ernest Mandel enfatizou: “A acumulação contínua de mais e mais bens (com “utilidade marginal” declinante) não é, de jeito algum, uma característica universal ou, mesmo, predominante no comportamento humano. O desenvolvimento de talentos e inclinações para si próprio: a proteção da saúde e da vida, o cuidado com as crianças, o desenvolvimento de relações sociais ricas (…) tudo isso se torna a motivação principal, uma vez que as necessidades materiais básicas estejam satisfeitas”. [6]
Isso não significa que não surjam conflitos, particularmente durante o processo transicional, entre as exigências de proteção ambiental e as necessidades sociais, entre os imperativos ecológicos e a necessidade de desenvolver a infra-estrutura básica, particularmente nos países pobres, entre os hábitos de consumo populares e a falta de recursos. Uma sociedade sem classes não é uma sociedade sem contradições e conflitos! Eles são inevitáveis: essa será a tarefa do planejamento democrático, em uma perspectiva ecossocialista, liberta dos imperativos do capital e da necessidade do lucro, em resolvê-los através de uma discussão pluralista e aberta, visando a uma tomada de decisão pela própria sociedade. Tal democracia de base e participativa é o único caminho, não para evitar erros, mas para permitir a auto-correção, pela coletividade social, dos seus próprios erros.
Isso é uma Utopia? No seu sentido etimológico – “algo que existe em nenhum lugar” – certamente. Mas as utopias, isto é, visões de um futuro alternativo, imagens de uma sociedade diferente, não são uma característica necessária a qualquer movimento que pretende desafiar a ordem estabelecida? Como Daniel Singer explicou em seu testamento literário e político, Whose Millenium?, em um capítulo poderoso chamado “Utopia Realista”, “se o establishment agora parece tão sólido, apesar das circunstâncias, e se o movimento operário ou a esquerda  estão tão incapacitados, tão paralisados, é por causa da incapacidade em oferecer uma alternativa radical (…)  O princípio básico do jogo é que você não questiona nem os fundamentos do argumento, nem as fundações da sociedade. Somente uma alternativa global, rompendo com essas regras de resignação e rendição, pode dar ao movimento de emancipação um escopo genuíno”. [7]
As utopias socialista e ecológica são somente uma possibilidade objetiva, não o resultado inevitável das contradições do capitalismo, ou das “leis férreas da história”. Não se pode predizer o futuro, exceto em termos condicionais: na ausência de uma transformação ecossocialista, de uma radical mudança de paradigma civilizatório, a lógica do capitalismo levará o planeta a desastres ecológicos dramáticos, ameaçando a saúde e a vida de bilhões de seres humanos, e, talvez mesmo, a sobrevivência da nossa espécie.
* * * *
Sonhar e lutar por uma nova sociedade, não significa que não se deva lutar por reformas concretas e urgentes. Sem nenhuma ilusão sobre um “capitalismo limpo”, deve-se tentar ganhar tempo, e impor, aos poderes constituídos, algumas mudanças elementares: o banimento dos HCFCs que estão destruindo a camada de ozônio, uma moratória geral para os organismos geneticamente modificados, uma drástica redução da emissão dos gases formadores do efeito estufa, o desenvolvimento do transporte público, a taxação dos carros poluentes, a substituição progressiva dos caminhões por trens, uma regulação severa sobre a indústria de pesca, assim como sobre o uso de pesticidas e agrotóxicos na produção agroindustrial. Estas, e outras questões semelhantes, estão no coração da agenda do movimento por Justiça Global, e dos Fóruns Sociais Mundiais, que têm permitido, desde Seattle em 1999, a convergência dos movimentos sociais e ambientais em uma luta comum contra o sistema.
Essas bandeiras ecossociais urgentes podem levar ao um processo de radicalização, sob a condição de não se aceitar limitar alguma meta, conforme os interesses do “mercado [capitalista]” ou da “competitividade”. De acordo com a lógica do que os marxistas chamam de “um programa de transição”, cada pequena vitória, cada avanço parcial pode imediatamente levar a uma demanda superior, para uma meta mais radical. Essas lutas em torno de questões concretas são importantes, não somente porque vitórias parciais são bem-vindas, mas também porque elas contribuem para elevar a consciência ecológica e socialista, e porque elas promovem atividade e auto-organização desde as bases: ambas são pré-condições decisivas e necessárias para uma radical, isto é, revolucionária transformação do mundo.
Não existe razão para otimismo: as entrincheiradas elites dominantes do sistema são incrivelmente poderosas, e as forças de oposição radical são ainda pequenas. Mas elas são a única esperança de que o curso catastrófico do “crescimento” capitalista será interrompido. Walter Benjamim definiu as revoluções não como sendo a locomotiva da história, mas a humanidade alcançando os freios de emergência do trem, antes que ele caia no abismo…

[1] Para uma extraordinária análise da lógica destrutiva do capital, veja Joel Kovel, The Enemy of Nature. The End of Capitalism or the End of the World?  N.York; Zed Books, 2002.
[2] John Bellamy Foster usa o conceito de “revolução ecológica”, mas ele argumenta que “uma revolução ecológica global digna do nome só pode ocorrer como parte de uma grande revolução social – e eu insistiria, socialista. Tal revolução (…) exigiria, como Marx enfatizou, que os produtores associados racionalmente regulassem a relação metabólica com a natureza. (…) Ela deve tirar sua inspiração de William Morris, um dos mais originais e ecológicos seguidores de Karl Marx, de Gandhi, e de outras figuras radicais, revolucionárias e materialistas incluindo o próprio Marx, voltando até Epicuro”. (“Organizing Ecological Revolution”, Monthly Review,   57.5, October 2005, pp. 9-10). Veja John Bellamy Foster,   Marx’s Ecology.  Materialism and Nature,  New York,  Monthly Review Press,  2000
  F.Engels, Anti-Dühring, Paris,  Ed. Sociales,  1950,  p. 318.
[3] Veja John Bellamy Foster, A Ecologia de Marx. Materialismo e Natureza, Nova Iorque, Monthly Review Press, 2000
[4] F.Engels,  Anti-Dühring,  Paris,  Ed. Sociales,  1950,  p. 318.
[5] Joel Kovel,  Enemy of Nature,  p. 215.
[6] Ernest Mandel,   Power and Money.   A Marxist Theory of Bureaucracy,   London,  Verso,   1992,   p.  206.
[7] D.Singer,   Whose Millenium ?  Theirs or Ours ?  New York,   Monthly Review Press,   1999,  pp. 259-260.
Enviada por Tania Pacheco 
http://ecossocialismooubarbarie.blogspot.com.br/

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Paz com a Terra



Marcelo Barros
Monge beneditino e escritor
Adital
A ONU considera 30 de janeiro como o Dia Internacional da Não-Violência e da Paz. Nesse dia, em 1948, na Índia, o Mahatma Gandhi foi assassinado por consagrar sua vida à paz e à não violência. Foi morto por um conterrâneo seu, insatisfeito pelo fato de que Gandhi, hinduísta, passou a morar em um bairro muçulmano para dialogar com crentes de outra tradição religiosa.
Tantos anos depois de sua morte, a paz ainda não chegou ao mundo. A violência entre culturas e principalmente entre religiões continua forte e ameaçadora. Entretanto, nos dias atuais, um elemento que a humanidade toma cada vez mais consciência é de que a paz e a não violência precisam ser estabelecidas entre povos e culturas, mas também entre o ser humano e a Terra, mãe comum de todos nós. De fato, ao fazer da terra e da natureza uma mercadoria a mais para ser vendida e comprada, o sistema social e econômico dominante no mundo deflagra uma guerra contínua e insensata contra a terra e o equilíbrio da vida no planeta. Infelizmente, nem as religiões têm sido atentas a esse problema e não conseguiram impedir a crise ecológica que cada dia se agrava mais. Um relatório recente da ONU, ao avaliar os ecossistemas existentes na terra, revela que dos 24 elementos considerados fundamentais para a conservação da vida no planeta, 15 registram elevado grau de degeneração. A natureza inteira está doente e a própria Terra ferida pela ambição humana.
Nestes dias, na Itália, um jornal de circulação nacional noticiou que neste ano, pela primeira vez, ao final do inverno, as neves dos Alpes diminuirão a tal ponto que não permitirão aos turistas esquiarem na neve natural. E alertava que ao ser derretido o permafrost, ou seja, a superfície antes permanentemente gelada dos Alpes como do norte do Canadá e da Rússia, libera na atmosfera da terra milhões de toneladas de metano, elemento 23 vezes mais prejudicial à camada de ozônio que o carbono emitido pelos poluentes até aqui conhecidos (La Stampa, 15/ 01/ 2013). A isso se junta o óxido nitroso, liberado pelos fertilizantes químicos, usados na agricultura. Esse elemento, dizem os cientistas, é 40 vezes mais nocivo e provocador do aquecimento da terra. O livro mais recente da pacifista Vandana Shiva nos convida a "fazer paz com a terra”. Nessa guerra que o sistema social e econômico dominante move implacavelmente contra o planeta, é urgente que tomemos a defesa da terra agredida e ameaçada de morte. Atualmente, os fóruns sociais e os movimentos sociais, junto com as comunidades indígenas e grupos afrodescendentes, tomam como prioridade a defesa da Terra Mãe e a cura da natureza. Para isso, propõem novas medidas sociais e políticas de defesa da Terra, mas sabem: a base de tudo é uma mudança cultural na forma do ser humano se relacionar com a terra e a natureza. Pessoas e comunidades das mais diversas tradições religiosas desenvolvem uma espiritualidade ecológica que nos faz contemplar o mistério mais profundo, latente em cada ser vivo e em todos os elementos da criação. Na Bíblia, o livro do Apocalipse revela que, quando a Mulher, símbolo da humanidade nova, dá a luz ao ser humano novo, as forças do mal (o dragão) se colocam em guerra contra a mulher e a perseguem. Então, a Terra vem em defesa da mulher e a abriga no deserto pelo tempo necessário (Apoc 12). É uma visão simbólica dessa aliança de amor que precisamos ter com a terra e toda a natureza para viver e testemunhar o projeto divino em ação, no mundo e em nós, até que, como diz Paulo, Deus seja tudo em todos.
Enviado por http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=73254

Conhecimento científico e popular na luta pela saúde


Dossiê da Abrasco reúne pesquisas e relatos de comunidades diretamente atingidas pelos agrotóxicos para denunciar impactos do agronegócio na saúde e no meio ambiente
André Antunes
“Trabalhava com flores em Atibaia, São Paulo. Usava muito veneno. Passava muito mal por causa disso. Sentia dor de dente, tremor nos lábios, aceleração no coração, escurecimento de vista, dor de cabeça, e não só eu, mas toda minha família. Todos os meus amigos também passavam mal. Meu amigo Nivaldo está com infecção no fígado por causa dos venenos e foi proibido de trabalhar no meio das flores. Sem falar nos animais que bebem a água que tem o veneno e morrem. Peixes na represa morrem também. Vendo isso, tomei a decisão de vir embora para o Sul de Minas Gerais. Chegando aqui, comecei a trabalhar com café, mas vi que também usava veneno. Tomei a decisão de trabalhar numa chácara. Porém na chácara também se usam o mata-mato, Roundup, glifosato e Gramossil”.
O depoimento acima foi feito pelo agricultor Domingos Rodrigues da Silva, do Sindicato dos Empregados Rurais de Eloi Mendes, de Minas Gerais, e retrata uma realidade comum a muitos produtores rurais brasileiros atingidos diretamente pelo uso intensivo de agrotóxicos. O depoimento de Domingos integra o Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) intitulado ‘Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde’, cuja terceira e última parte foi lançada durante o 10° Congresso Nacional da entidade, realizado em Porto Alegre em novembro.
Durante a cerimônia de lançamento da última parte do dossiê, Luiz Augusto Facchini, então presidente da Abrasco, ressaltou a importância do documento e os fatores que motivaram a entidade a concebê-lo. “O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Gostaríamos de reverter esse quadro. Além de aumentar a dependência dos agricultores pelas multinacionais, os agrotóxicos envenenam a população e os trabalhadores brasileiros. Para fortalecer as bases de uma sociedade saudável e desenvolvida, o Brasil deve investir na agricultura familiar e na agroecologia, aumentar a escolaridade e o conhecimento técnico-científico dos agricultores, e ao mesmo tempo valorizar os seus conhecimentos tradicionais”, afirmou.
O dossiê começou a ser pensado durante o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências, em setembro de 2011, como explica Raquel Rigotto, pesquisadora do núcleo Tramas da Universidade Federal do Ceará (UFC). “A Abrasco se organizou para participar do encontro, e construímos uma articulação entre vários grupos de trabalho. Durante o evento tivemos contato com movimentos sociais que trouxeram uma reflexão acerca das implicações para a saúde dos agrotóxicos e pensamos que a melhor forma de contribuirmos seria elaborando um dossiê”. Com um total de 469 páginas, o documento fez uma revisão bibliográfica do trabalho de pesquisadores de várias universidades e instituições públicas de pesquisa do país, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele foi lançado em três etapas, cada uma focando aspectos diferentes da temática dos agrotóxicos. A primeira foi lançada em abril deste ano, durante o World Nutrition, congresso internacional de nutrição no Rio. Por conta disso, focou na questão da segurança alimentar e nutricional. A segunda parte, intitulada ‘Agrotóxicos, saúde, ambiente e sustentabilidade’, procurou dialogar com os debates da Cúpula dos Povos, onde o documento foi lançado. “Nesse, o foco foi a questão do modelo de desenvolvimento e a sustentabilidade, para problematizar a vinculação entre a agricultura químico-dependente e os monocultivos para a exportação, que é um modelo de desenvolvimento agrícola e pecuário que vem sendo imposto pela divisão internacional do trabalho e pelo governo na medida em que o Ministério da Agricultura o incorpora, financia e apoia, assim como o legislativo”, aponta Raquel.
Intitulada ‘Agrotóxicos, conhecimento científico e popular: construindo a ecologia de saberes’, a 3ª parte procurou problematizar o modo de fazer ciência hegemônico que, segundo Raquel Rigotto, contribui para a legitimação de um modelo agrícola calcado na intensa utilização dos agrotóxicos, ao mesmo tempo em que escamoteia os agravos à saúde e ao meio ambiente causados por ele. “Focamos  o próprio conhecimento e fizemos isso com uma reflexão sobre o paradigma epistemológico que norteia a ciência moderna, que se por um lado trouxe vários avanços, por outro contribuiu com o processo histórico do capital, com a dominação da natureza, a exploração da força de trabalho”, pontua. O documento também teve como preocupação central aliar conhecimento científico, saber popular e militância política. Para isso foram convidados a participar da sua elaboração membros da Campanha Permanente contra os agrotóxicos e pela Vida e de entidades de fomento à agricultura agroecológica, como a Articulação Nacional da Agroecologia (ANA). Além disso, integram o dossiê 19 depoimentos e relatos escritos por trabalhadores e comunidades que vivem diretamente os efeitos da contaminação por agrotóxicos e as que estão construindo alternativas à agricultura químico-dependente.
Teor e localização das pesquisas sobre agrotóxicos no Brasil 
“A ideia do dossiê foi provocar uma reflexão crítica no campo da saúde coletiva e levantar uma bandeira, de que a produção do conhecimento não é neutra, a saúde coletiva tem de produzir conhecimento engajado que faça avançar o projeto do Sistema Único Saúde (SUS) e seus princípios”, diz André Burigo, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/ Fiocruz), que participou da elaboração do dossiê. Para dar conta de fornecer um panorama sobre a produção científica acerca dos agrotóxicos no Brasil, a equipe do dossiê fez um levantamento, com base na Plataforma Lattes, do número de pesquisadores que possuem em seus currículos pesquisas sobre o tema, analisando também o teor da pesquisa e a localização geográfica dos estudos. Segundo o levantamento, dos mais de 158 mil currículos cadastrados na plataforma, 4.896 citaram o termo ‘agrotóxicos’ (ou variações como ‘defensivos agrícolas’ e ‘pesticidas’), o que não é pouco, como ressalta o dossiê. No entanto, o mapeamento mostra que os estudos “não têm abordado a temática saúde e ambiente, que deveria ser de grande interesse, tanto dos pesquisadores, das suas instituições e dos órgãos de fomento”. Segundo o levantamento, dos currículos que mencionaram agrotóxicos, apenas 4,6% citaram o termo toxicidade aguda e 5% citaram os efeitos crônicos na saúde humana, como a toxicidade dos agrotóxicos para o sistema nervoso, imunológico e endócrino, bem como sua capacidade de provocar más formações fetais e alterações genéticas. Para André Burigo, chama a atenção o fato de que a maioria da produção científica sobre agrotóxicos em geral não foca as áreas de saúde pública e meio ambiente, e se concentra na área da agronomia, “que de certa forma legitima o modelo de agricultura convencional, dependente de agrotóxicos”. Ele também chama atenção para a concentração sobre os estudos nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, presente em mais da metade dos currículos identificados. “É provável que esses pesquisadores também estejam estudando mais os impactos dos agrotóxicos nessas regiões. Há regiões do Brasil completamente descobertas de produção de conhecimento dos impactos dos agrotóxicos na saúde pública e no meio ambiente, como o Norte e o Nordeste. De uma forma geral, há pouca pesquisa no Brasil como um todo, mas essas regiões são muito mais descobertas, o que indica um ocultamento ainda maior dos impactos dos agrotóxicos nesses lugares”, analisa Burigo.
Contaminação da água
Segundo ele, a produção científica brasileira sobre agrotóxicos nas áreas de saúde pública e meio ambiente que abordam o tema de maneira mais crítica, embora escassas, como mostrou o levantamento na Plataforma Lattes, já dão conta de evidenciar os riscos e agravos à saúde e ao meio ambiente provocados pelos agrotóxicos e justificar uma maior fiscalização e controle do poder público sobre a questão. Burigo destaca, por exemplo, o estudo realizado no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2011. “Contando as 20 culturas analisadas, apenas 37% das amostras não apresentaram resíduos de agrotóxicos”, conta. Dados de pesquisas realizadas em locais com intensa utilização de agrotóxicos, como a Chapada do Apodi, no Ceará, e a cidade de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, também apontaram a presença de resíduos de agrotóxicos na chuva e na água sendo utilizada para consumo humano. Em Lucas do Rio Verde, aponta o dossiê, a pulverização aérea de agrotóxicos vinha sendo feita a menos de dez metros de fontes de água potável, córregos e residências. Foram identificados resíduos de agrotóxicos em 83% dos poços de água potável das escolas, em 56% das amostras de chuva e em 25% das amostras de ar, além de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em sedimentos de lagoas, “semelhantes”, afirma o dossiê, “aos tipos de resíduos encontrados no sangue de sapos, sendo que a incidência de malformação congênita nestes animais foi quatro vezes maior do que na lagoa controle”. Em Lucas do Rio Verde também foram realizadas pesquisas que mostraram a presença de resíduos de agrotóxicos no leite materno. “Todas as amostras de leite materno de uma amostra de sessenta e duas nutrizes de Lucas do Rio Verde apresentaram contaminação com pelo menos um tipo de agrotóxico analisado. Os resultados podem ser oriundos da exposição ocupacional, ambiental e alimentar do processo produtivo da agricultura que expôs a população a 136 litros de agrotóxico por habitante na safra agrícola de 2010”.
Legalização da contaminação
Segundo o dossiê, paralelo ao aumento da contaminação do meio ambiente pelos agrotóxicos – e também por resíduos industriais -, há um movimento de legalização da contaminação pelo Estado brasileiro, como apontam, por exemplo, as mudanças feitas ao longo do tempo nas normas de potabilidade da água, que determinam a quantidade de resíduos de agrotóxicos, substâncias químicas e solventes permitida na água para consumo humano. Na primeira, de 1977, era permitida a presença de 12 tipos de agrotóxicos, de dez metais pesados, de nenhum solvente e de nenhum produto químico de desinfecção domiciliar. Ao longo dos anos, foram sendo emitidas novas portarias ampliando a quantidade permitida. Na última portaria, emitida em 2011, é permitida a presença de 27 tipos de agrotóxicos, de 15 produtos metais pesados, de 15 produtos solventes, de sete produtos químicos de desinfecção domiciliar e o uso de algicidas nos mananciais e estações de tratamentos. Isso, conclui o dossiê, reflete, ao longo do tempo, “a crescente poluição do processo produtivo industrial que utiliza metais pesados e solventes, do processo agrícola que usa dezenas de agrotóxicos e fertilizantes químicos e da poluição residencial que utiliza muitos produtos na desinfecção doméstica. Esta ampliação pode levar a uma cultura de naturalização e consequente banalização da contaminação, como se esta grave forma de poluição fosse legalizada”.  Como aponta André Burigo, o dossiê “mostra que os alimentos que ingerimos estão contaminados, a água que bebemos está contaminada e até o leite materno apresenta agrotóxicos. Isso mostra que esse modelo de desenvolvimento agrícola esta colocando em xeque o conceito de alimento, porque justamente os alimentos mais importantes, cuja ingestão a saúde pública recomenda estão contaminados por agrotóxicos”.
Intoxicações por agrotóxicos
O aumento na utilização destes venenos no Brasil reflete no crescimento do número de intoxicações agudas por agrotóxicos registradas pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde (MS): de 2.071 notificações em 2007, esse número passou para 3.466 em 2011, um aumento de 67,3%. Já o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) registrou, no ano de 2009, 5.253 casos de intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola um total de 188 óbitos por estes quatro tipos de intoxicações registradas. “Há de se ressaltar que existe um grande sub-registro das intoxicações por agrotóxicos no Brasil. Esta é uma das grandes vulnerabilidades institucionais do país, entre outras relacionadas ao controle e monitoramento do uso de agrotóxicos em todo território nacional que é um aspecto a ser levado em consideração nos processos de registro e reavaliação desses produtos”, pontua o dossiê, que ainda afirma que existem muitas lacunas de conhecimento quando se trata de avaliar a multiexposição ou a exposição combinada de agrotóxicos. “A grande maioria dos modelos de avaliação de risco servem apenas para analisar a exposição a um princípio ativo ou produto formulado, enquanto que no mundo real as populações estão expostas a mistura de produtos tóxicos cujos efeitos sinérgicos (ou de potencialização) são desconhecidos ou não são levados em consideração”, mostra o estudo. Segundo o dossiê, o SUS não tem contado com estímulos políticos, técnicos e financeiros para implantar a vigilância da saúde de populações expostas aos agrotóxicos. “O Ministério da Saúde discute há cinco anos um Plano de Vigilância e Atenção a Saúde para populações Expostas a Agrotóxicos e, até o momento, não conseguiu pactuar com estados e municípios a forma e os recursos a serem direcionados para implementar o mesmo. Será que essa questão não mereceria prioridade?”, indaga.
Em sua conclusão, o dossiê cobra a elaboração de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Uso dos Agrotóxicos e Seus Impactos na Saúde e no Ambiente, com bandeiras como: o banimento no Brasil dos agrotóxicos já banidos em outros países; a proibição da pulverização aérea; o fim das isenções fiscais para os agrotóxicos — já que as empresas que comercializam e produzem os venenos recebem isenções, inclusive de impostos que financiam a seguridade social (que inclui a Previdência Social, Saúde e Assistência Social) como o PIS/Pasep e o COFINS; o fim do crédito para os agrotóxicos; a reavaliação dos agrotóxicos autorizados; a fiscalização das condições de trabalho das populações expostas e dos danos ao meio ambiente, entre outras.
Acesse o Dossiê Abrasco:
Enviado por Tania Pacheco: http://racismoambiental.net.br/2013/01/conhecimento-cientifico-e-popular-na-luta-pela-saude/#.UQbHDgMNR0w.facebook

Índios X Pastores O genocídio dos Guarani Kaiowá continua no Brasil



Enviado em 21/02/2008
A luta dos índios guarani no Mato Grosso do Sul para preservar suas tradições religiosas, que vêm sendo acintosamente satanizadas pelas seitas pentecostais. Reportagem de Fábio Pannunzio para a Rede Bandeirantes de Televisão.
Enviado por Gleice Guarani-Kaiowá

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O Mundo Segundo a MONSANTO Legendado



Publicado em 29/06/2012 por Ecodebate
O documentário "O Mundo segundo a Monsanto", exibido nesta terça-feira pela TV franco-alemã Arte, traça a história da principal fabricante de organismos geneticamente modificados (OGM), cujos grãos de soja, milho e algodão se proliferam pelo mundo, apesar dos alertas de ambientalistas.

A diretora, a francesa Marie-Monique Robin, baseou seu filme - e um livro de mesmo título - na empresa com sede em Saint-Louis (Missouri, EUA), que, em mais de um século de existência, foi fabricante do PCB (piraleno), o agente laranja usado como herbicida na guerra do Vietnã, e de hormônios de aumento da produção de leite proibidos na Europa.

O documentário destaca os perigos do crescimento exponencial das plantações de transgênicos, que, em 2007, cobriam 100 milhões de hectares, com propriedades genéticas patenteadas em 90% pela Monsanto.

A pesquisa durou três anos e a levou aos Estados Unidos e a países como Brasil, Índia, Paraguai e México, comparando as virtudes proclamadas dos OGM com a realidade de camponeses mergulhados pelas dívidas com a multinacional, de moradores das imediações das plantações pessoas que sofrem com problemas de saúde ou de variedades originais de grãos ameaçadas pelas espécies transgênicas.

Robin relatou em entrevistas divulgadas pela produção do filme que tentou em vão obter respostas da Monsanto para todas essas interrogações, mas que a companhia decidiu "não avaliar" seu documentário.

Um capítulo do livro, intitulado "Paraguai, Brasil, Argentina: a República Unida da Soja", relata o ingresso desse cultivo nesses países, que estão hoje entre os maiores produtores do mundo, por meio de uma política de fatos consumados que obrigou as autoridades do Brasil e do Paraguai a legalizar centenas de hectares plantados com grãos contrabandeados.

A legalização beneficiou obviamente a Monsanto, que pôdo cobrar assim os royalties por seu produto.

Marie-Monique Robin é uma famosa jornalista independente, que, em 2004, gravou um documentário sobre a Operação Condor chamado "Esquadrões da Morte: A Escola Francesa"- para o qual entrevistou vários dos maiores repressores das ditaduras militares dos anos 70.

Matéria da AFP, no UOL Notícias.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Chumbinho da morte. Se é BAYER não é bom. Intoxicação por Agrotóxicos no Distrito Federal


Leia o artigo sobre intoxicação por agrotóxicos no Distrito Federal. "Esses produtos tem uso diverso, incluindo controle de pragas na agricultura, como inseticidas, fungicidas e herbicidas, ou no ambiente doméstico, principalmente os inseticidas e raticidas". 
O Chumbinho é apontado como um dos mais notificados. É mortal. Produzido pela Bayer, multinacional alemã. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proibiu a substância, mas ainda tem muito produto no mercado matando crianças e cachorros principalmente. SE É BAYER NÃO É BOM!!!! Olho Vivo!!!
Vejam o artigo completo:  
Intoxicação por agrotóxicos no Distrito Federal, Brasil, de 2004 a 2007–análise da notificação ao Centro de Informação e Assistência Toxicológica
Enviado pelo Comitê da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida no Distrito Federal
http://contraagrotoxicosdf.wordpress.com/2013/01/15/artigo-intoxicacao-por-agrotoxicos-no-distrito-federal-de-2004-a-2007/
VEJA MAIS:
http://www.anda.jor.br/11/11/2012/anvisa-proibe-o-aldicarbe-famoso-chumbinho

sábado, 12 de janeiro de 2013

Embrapa lança e disponibiliza livro sobre agroecologia em PDF


Transição agroecológica e construção participativa do conhecimento para a sustentabilidade é o título da publicação que está disponível para download
Embrapa Meio Ambiente
09/01/2013

O livro “Transição Agroecológica – construção participativa do conhecimento para a sustentabilidade” traz os resultados das atividades de projeto da Embrapa, de 2009 a 2010. Com 297 páginas, os editores técnicos são Carlos Alberto Barbosa Medeiros, Flávio Luiz Carpena Carvalho, André Samuel Strassburger, da Embrapa Clima Temperado (Pelotas, RS).
Conforme Clenio Nailto Pillon, Chefe Geral da Embrapa Clima Temperado, “os primeiros resultados do esforço de construção do conhecimento estão nesse trabalho. Ainda que parciais, demonstram que muito já se evoluiu em direção ao objetivo central do projeto, que é apoiar processos de transição a uma agricultura sustentável, através da construção participativa do conhecimento agroecológico”.
O pioneirismo é atribuído ao fato de ser a primeira proposta de pesquisa a reunir técnicos da Embrapa e instituições parceiras para trabalharem com um objetivo comum, a construção do conhecimento agroecológico.
Pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente participam da obra
Francisco Miguel Corrales, técnico da Unidade, escreveu sobre o intercâmbio de conhecimentos e tecnologia de base agroecológica a partir da rede de unidades de referência da região leste do Estado de São Paulo.
Conforme Corrales, na região leste do Estado de São Paulo encontram-se 70.046 agricultores, 44,8% destes em sistema de produção familiar, com destaque para atividades em pecuária leiteira, olericultura, cafeicultura e fruticultura. Agricultores dessa região vêm procurando o intercâmbio de conhecimentos em busca de práticas que conciliem conservação dos recursos naturais, geração de renda e qualidade de vida.
As atividades relatadas nesse capítulo referem-se a processos de transferência de tecnologias apropriadas a sistemas de agriculturas ecológicas, realizadas a partir da articulação regional entre instituições representativas dos agricultores, das organizações de pesquisa agropecuária, agentes locais de extensão rural e de grupos de consumidores. Dessa maneira, está sendo constituída a Rede de Agroecologia do Leste Paulista (também conhecida como Mantiqueira-Mogiana), que atua num território formado por 40 municípios dessa região.
Foram selecionadas as principais demandas regionais, com destaque para aspectos relacionados ao manejo do solo, pragas, doenças e plantas espontâneas; processamento artesanal de alimentos e educação alimentar. Foi iniciada a implantação de 26 unidades de referência localizadas em estabelecimentos rurais do leste paulista, representativas dos principais sistemas de produção da região. Em algumas dessas glebas já há sinais claros de evolução no sentido de uma agricultura biodiversa, em manejos promotores da conservação dos recursos naturais e promotores da qualidade de vida. Outro avanço observado foi a articulação regional na temática da Agroecologia entre instituições representativas dos agricultores, organizações de pesquisa agropecuária, agências de extensão rural e grupos de consumidores.
Os assentamentos sustentáveis nas regiões de Ribeirão Preto, Itapeva, Serrana e Serra Azul, no Estado de São Paulo foram abordados pelo pesquisador João Carlos Canuto.
“Os assentamentos rurais são a manifestação mais concreta da agricultura familiar no Estado de São Paulo, onde a modernização agrícola quase extinguiu a agricultura tradicional”, explica Canuto. A atividade contemplou diferentes regiões do estado: região de Andradina (oeste), onde predominou o trabalho com sistemas sustentáveis de produção de leite; Ribeirão Preto, Serrana e Serra Azul (norte), onde o trabalho teve como atenção os sistemas agroecológicos e agroflorestais em áreas individuais e em áreas coletivas de Reserva Legal e a região de Itapeva (sul), onde o trabalho foi concentrado em sistemas agroflorestais. O foco unificador do trabalho foi a construção do conhecimento agroecológico para as realidades de assentamentos de reforma agrária. Os métodos utilizados contemplaram basicamente a pesquisa participativa e a articulação com parcerias locais e regionais.
Observou-se a melhoria da qualidade dos recursos solo, água, agrobiodiversidade e biodiversidade em geral, seguidas da mudança da paisagem. Além da ampliação das alternativas de nutrição da família, detectou-se ainda a melhoria das condições de trabalho, melhor conforto térmico e menor penosidade. Deve ser salientada a redução dos custos de insumos e mão-de-obra a partir de três anos de estabelecimentos de sistemas agroflorestais, além da abertura de alternativas de mercado diferenciado e melhoria da renda. Saliente-se ainda o reforço nos processos de qualificação das relações de parceria, dos processos participativos e dos métodos de pesquisa. O trabalho também proporcionou a prospecção de novas demandas de pesquisa, tais como, papel ecológico das espécies, desenhos mais racionais e tecnologias de manejo.
Lucimar Abreu, pesquisadora, abordou a adaptação e desenvolvimento de metodologia de natureza compreensiva de abordagem dupla: das ciências humanas e agroambiental no capítulo “Desenvolvimento de metodologias de interação das ciências sociais e agroambientais”.
Foram analisadas as trajetórias de transição de produtores de base ecológica de Ibiúna, SP, com a identificação e caracterização de indicadores sociais de sustentabilidade. A pesquisa mostrou a pertinência da metodologia para a reconstrução das trajetórias de transição de agricultores familiares, associando a dimensão das relações sociais e econômicas (sociológica) com a produção de alimentos (agronômica). Essa abordagem dupla dos processos de transição possibilitou identificar um conjunto de indicadores sociais de sustentabilidade e gerou conhecimentos qualitativos sobre a dinâmica de funcionamento dos processos de transição agroecológica em curso, numa microbacia.
O capítulo “Construção do conhecimento e de tecnologias agroecológicas com os agricultores familiares do Pontal do Paranapanema, SP”, elaborado pelo pesquisador Mário Urchei, descreve sobre os objetivos e resultados alcançados na ação de construção, em conjunto com os agricultores familiares do Pontal do Paranapanema, de conhecimentos, metodologias e tecnologias adaptadas à realidade sociocultural desse território, com a finalidade de viabilizar e estruturar sistemas agrícolas mais integrados e biodiversos voltados à transição agroecológica.
Foram implantadas onze unidades de referência em cinco municípios visando construir e socializar o desenvolvimento de ações para viabilizar a diversificação dos sistemas de produção dos agricultores familiares da região numa perspectiva agroecológica. Além disso, iniciou-se o desenvolvimento de um trabalho de recuperação, organização e sistematização das informações socioeconômicas e agrícolas do Pontal como subsídio ao planejamento territorial sustentável.
Apesar das dificuldades encontradas pelos agricultores, decorrentes de um histórico e de uma realidade extremamente desfavoráveis, as ações empreendidas até o momento têm possibilitado criar uma sinergia entre os diferentes atores no sentido de desenvolver e trabalhar experiências mais integradas, num diálogo e numa construção contínua de processos, princípios e tecnologias objetivando à transição agroecológica, fortalecendo a autonomia e contribuindo com o empoderamento dos agricultores.
No capítulo escrito pelo pesquisador Ricardo de Camargo foram abordados os processos de instalação de unidades de referência em sistemas agroflorestais e recuperação de áreas degradadas em Franca, SP e região. Ações estas que estão sendo desenvolvidas pela execução de projeto coordenado pelo pesquisador na região de Franca que a partir da construção do conhecimento agroecológico pretende contribuir com a sustentabilidade do meio rural do município de Franca e de seu entorno.
As escolhas dos desenhos de implantação das unidades de referência, assim como os respectivos “carros-chefes” dos sistemas agroflorestais implantados levaram em consideração os desejos dos agricultores e as características locais de produção.
A atividade permitiu a disseminação e aplicação dos conceitos da Agroecologia e de sistemas agroflorestais em regiões sem tradição em práticas agrícolas de base ecológica, tendo como resultados a redução da dependência da aquisição de insumos químicos nos cultivos, a melhoria da autoestima dos produtores envolvidos pela consideração dos saberes tradicionais e pelas práticas de pesquisa participativa, e o fortalecimento das relações entre agricultores e técnicos pela troca de saberes e experiências. Observou-se a disseminação de novas tecnologias e atividades, com ampliação das possibilidades de cultivos e de criações de pequenos animais (abelhas), o que além de gerar novas oportunidades de mercado e inserção em nichos específicos antes inexplorados (mercado de orgânicos e compras governamentais), proporcionou melhoria nos aspectos nutricionais dos produtores envolvidos, pela disponibilidade de novos produtos (mel, pólen) e pela melhor qualidade dos alimentos, agora, isentos de agrotóxicos. Observou-se ainda melhoria da interação e sinergia entre os órgãos municipais ligados a questão agrária e rural da região de Franca.
Para acessar o livro, clique aqui.
http://www.diadecampo.com.br/zpublisher/materias/Materia.asp?id=27695&secao=Agrotemas