sábado, 29 de dezembro de 2012

"Semeando Agroecologia": vejam experiências agroecológicas no Rio de Janeiro


“É paixão! A gente se apaixonou realmente pela agricultura, por estar mexendo com a terra, por estar vendo o trabalho da gente se desenvolver ali, diante dos nossos olhos”, revela Elias, agricultor de Magé (RJ).

Neste vídeo, agricultores e agricultoras da Região Metropolitana do Rio de Janeiro mostram como em meio à expansão urbana, à especulação imobiliária e, sobretudo, debaixo do manto da invisibilidade, centenas de famílias persistem com seus modos de vida, lavrando a terra para produzir alimentos para os moradores da cidade. Esses homens e mulheres não só contam como a agricultura mora neles, mas também com sabedoria e simplicidade nos desafiam a enxergar e a refletir sobre a agricultura que também pode encontrar morada nas grandes cidades.
Assista o vídeo:
http://aspta.org.br/2012/12/a-agricultura-mora-em-mim-a-face-invisivel-das-cidades/

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Razões e estratégias do Ecossocialismo




Michael Löwy explica por que proposta diverge do “socialismo real”, vai além do ambientalismo e precisa de vitórias parciais
Por Michael Löwy | Imagem: Marc Chagall, Os Amantes de Vence (detalhe)

MAIS, na seção especial Outro Desenvolvimento:


Diante da crise ambiental e das desigualdades crescentes, multiplicam-se, também no Brasil, experiências de Economia Ecológica. Como elas podem contagiar a sociedade?Por Ivo Lesbaupin


Outra forma de produzir e distribuir riquezas, baseada em lógicas pós-capitalistas, está em construção. Nossa nova coluna pretende torná-la visível. Por Antonio Martins

O famoso marxista italiano Antonio Gramsci dizia que o revolucionário socialista deve combinar o pessimismo da razão com o otimismo da vontade. Desse modo, dividirei em duas partes este artigo que discute as alternativas de desenvolvimento para superar o modelo produtivista-consumista. Em primeiro lugar, tratarei do pessimismo da razão: as coisas vão mal. E, em seguida, do otimismo da vontade: quem sabe, elas podem mudar, e um caminho para isso é o do ecossocialismo.

A primeira parte discorre, portanto, sobre o pessimismo da razão. Simplesmente somos obrigados a constatar que o atual modelo de desenvolvimento do capitalismo industrial moderno, particularmente em sua variante neoliberal, baseada no produtivismo e no consumismo, está conduzindo a humanidade – e não o planeta – a uma catástrofe ecológica ou ambiental sem precedentes em sua história.
Por que digo “a humanidade” e não “o planeta”? Porque o planeta, qualquer que seja o estrago que façamos, vai continuar tranquilo, girando. Ele não será atingido. Quem será afetada pelo desastre ecológico será a vida no planeta, serão as espécies vivas, dentre elas a nossa, o Homo sapiens. Esse é o âmago do problema, que serve para evitar discussões um pouco abstratas, como “temos que salvar o planeta”.
Porém, não é o planeta que está em perigo, somos nós e as outras espécies vivas. Isso porque a lógica atual do sistema, de expansão e crescimento ao infinito, e o atual modelo de desenvolvimento, que segue a lógica do produtivismo e do consumismo, conduzem, inexoravelmente – e independentemente da boa ou da má vontade de empresários ou governos – à degradação do meio ambiente e à destruição da natureza.
Isso se manifesta em vários aspectos, como no desaparecimento de algumas espécies. Já se calcula que, com o business as usual, como diz a expressão americana, daqui a algumas dezenas de anos não vão mais existir os peixes. São espécies que existem há milhões de anos e que a humanidade consome há dezenas de milhares de anos. E já estão desaparecendo.
Outro aspecto importante é o envenenamento, por meio da poluição, do ar das cidades, da terra, do solo, dos rios, do mar, ou seja, a degradação dos equilíbrios ecológicos. Uma série de aspectos que vão se acumulando, e, com todos esses elementos, o sinal vai passando do amarelo para o vermelho. No entanto, o mais grave de todos esses aspectos da destruição do meio ambiente e dos desequilíbrios ecológicos, o mais ameaçador e inquietante, é a mudança climática ou o aquecimento global.
Não farei aqui uma análise científica disso, suponho que já seja de conhecimento geral. A emissão de gases a partir da queima dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás) e sua acumulação na atmosfera produzem o efeito estufa e o aquecimento global. Esse processo, a partir de certo nível de aquecimento, por volta de dois ou três graus a mais, vai conhecer uma espécie de aceleração e crescimento descontrolado que pode chegar a quatro, cinco, seis ou mais graus. E o que vai acontecer com isso?
No livro Six Degrees: Our Future on Hotter Planet (Seis Graus: nosso futuro em um planeta mais quente), o especialista inglês Mark Lynas descreve como será o planeta quando a temperatura subir seis graus. Segundo ele, se compararmos o inferno de Dante com o planeta com seis graus a mais, o inferno de Dante vai parecer um passeio de fim de semana. O autor analisa as consequências disso, como o desaparecimento da água potável e a desertificação, dois fenômenos que estão interligados. Alguns pesquisadores já calcularam que o deserto do Saara pode atravessar o Mediterrâneo e chegar à Europa, às portas de Roma, dentro de uma longa lista de outros desastres.
Outro aspecto ainda mais inquietante é a subida do nível do mar, que resulta do derretimento do gelo dos Polos Norte e Sul, em particular da Groenlândia, um gelo que não está sobre a água, mas sim em cima da terra. Já se calculou que, se o nível do mar subir poucos metros — um, dois ou três —, várias das principais cidades da civilização humana, como Londres, Amsterdã, Hong Kong, Rio de Janeiro, ficarão debaixo d’água. Também boa parte do que é a orla marítima dos países desaparecerá. E o que acontece se derreter todo o gelo que está no Polo Norte e no Polo Sul? O mar pode subir até setenta metros, para se ter uma ideia da magnitude da ameaça.
Obviamente, isso não vai acontecer na próxima semana, mas esse processo de aquecimento global e de derretimento dos gelos está se acelerando. Há alguns anos, os especialistas diziam que esses processos estavam previstos para 2100, ou seja, para o fim do século XXI. Portanto, atingiria nossos bisnetos que ainda não nasceram, e precisamos pensar neles. Só que normalmente as pessoas não se preocupam com o que vai acontecer com os bisnetos que ainda não nasceram, não é uma prioridade. No entanto, os trabalhos mais avançados dos cientistas, os mais recentes, apontam para processos irreversíveis do aumento de temperatura, com todas as suas consequências, já nas próximas décadas, antes de 2100. Ninguém pode dizer se será daqui a vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos, mas a coisa está muito mais próxima.
Um exemplo disso são os escritos do cientista americano James Hansen, o principal climatólogo dos Estados Unidos, que trabalha para a NASA, e que não é um homem de esquerda, não tem nada a ver com o marxismo. Hansen é um cientista que há alguns anos vem tocando o sinal de alarme, mas durante o governo do presidente George W. Bush tentaram proibi-lo de falar. Mandaram para ele um recado dizendo que ele era um funcionário do governo americano e que o que ele estava dizendo sobre o perigo do aquecimento global não era a linha do governo, o qual considera tudo isso uma bobagem. Pediam, por favor, que ele calasse a boca, e, mais que isso, afirmavam que estava proibido de falar.
Um acontecimento sem precedente desde Galileu, quando a Inquisição ordenou a ele que não deveria dizer que a Terra se mexe, que estava proibido pela Igreja Católica. Desde essa época, não houve caso tão absurdo de um governo proibir um cientista de se manifestar. Obviamente ele não obedeceu, continua a protestar e a escrever sobre isso e é respeitado mundialmente como um grande climatólogo.
Ele afirma que o processo está se acelerando e que é uma questão de décadas. E os especialistas do gelo — os glaciólogos, que vão para o Polo Norte e para o Polo Sul e medem e calculam esses fenômenos — dizem que não estão entendendo nada do que está acontecendo. Está tudo indo muito mais depressa do que eles pensavam. Em 2010, fizeram um cálculo de como o gelo estava derretendo e, em 2011, viram que o cálculo estava errado, que o modelo utilizado não estava funcionando, que estava indo muito mais rápido. Portanto, são questões científicas e políticas que têm a ver com o futuro da humanidade.
De quem é a culpa dessa ameaça sem precedentes na história da humanidade? Os geólogos calculam que há 60 milhões de anos houve um processo de aquecimento global que matou quase tudo o que existia no planeta. Depois levou algumas dezenas de milhões de anos para a vida voltar ao planeta. Mas, desde que existe a humanidade, nunca existiu nada parecido, é algo sem precedentes. Os cientistas dizem que é culpa do ser humano, que o aquecimento global é resultado da ação humana. Os geólogos dizem que estamos entrando em uma nova era geológica chamada Antropoceno. Isto é, uma era geológica em que a situação do planeta, o clima, depende da ação humana e está sendo transformada por ela.
Essa explicação é cientificamente correta, mas eu diria que é um pouco limitada politicamente. Isso porque a humanidade já vive no planeta há algumas dezenas de milhares de anos, desde que apareceu o Homo sapiens, e o problema do aquecimento global, essa acumulação de gases na atmosfera, vem da Revolução Industrial. Começou em meados do século XVIII, quando esses gases foram se acumulando, e se intensificou enormemente nas últimas décadas, as décadas da globalização capitalista neoliberal. Portanto, o culpado dessa história não é o ser humano em geral, mas um modelo específico de desenvolvimento econômico, industrial, moderno, capitalista, globalizado, neoliberal: esse é o responsável pela atual crise ecológica e pela ameaça que pesa sobre a humanidade.
Quais são as soluções que propõem os representantes da ordem estabelecida? Há uma proposta que é a seguinte: as energias fósseis são as responsáveis pelo problema, por isso, vamos substituí-las por formas de energia limpas, que não produzem gases, e são seguras, como a energia nuclear. Está aí uma solução técnica e fácil para o problema: construir usinas nucleares. Isso foi feito em grande escala nas últimas décadas. Em 1986, houve um incidente desagradável, em Chernobyl, na União Soviética. Cientistas calculam que as vítimas de Chernobyl que foram morrendo no curso dos anos, resultado das irradiações, chegam a 800 mil mortos — mais do que todos os mortos de Hiroshima e Nagasaki, por decorrência da bomba atômica. O argumento dos responsáveis pela energia nuclear era de que isso aconteceu na União Soviética, um país totalitário, burocrático, com tecnologia e gestão atrasadas; no ocidente, com empresas privadas, isso não aconteceria. Esse discurso foi repetido muitas vezes até que ocorreu o acidente de Fukushima, no Japão, em 2011. A empresa responsável pela usina, Tokyo Electric Power Company (TEPCO), é a maior empresa privada de eletricidade do mundo. É a mais esplêndida manifestação do capitalismo privado no terreno da energia nuclear. Desse modo, fica claro que essa não é uma alternativa aos combustíveis fósseis, temos que procurar outras.
Há alguns anos, na época Bush, vazou para a imprensa um documento secreto do Pentágono sobre a questão do aquecimento global. O governo dizia que esse problema não existia, mas os cientistas do Pentágono sabiam que sim. Apresentaram um documento prevendo o que iriam fazer se o aquecimento global escapasse de qualquer controle e chegasse a seis graus, e a vida humana se tornasse impossível no planeta. Era uma possibilidade considerada pelos cientistas do Pentágono. A única proposta que conseguiram elaborar foi a de mandar um foguete para o planeta Marte. Eles inclusive detalham quem estaria nesse foguete: o presidente dos Estados Unidos, o Estado Maior do Exército, cientistas etc. Como não estamos convidados para essa viagem, não nos interessa a proposta. Esse é apenas um exemplo do tipo de solução considerada.
Obviamente, há tentativas mais sérias de solução, como a ideia de que precisamos desenvolver energias alternativas: hidrelétrica, eólica e solar. Com exceção da hidrelétrica, que já tem um desenvolvimento importante, em países como o Brasil, as outras são pouco desenvolvidas. E por uma razão bem simples: são menos rentáveis do que o petróleo e o carvão. Por isso, não interessa às empresas e aos Estados, com algumas exceções, investir maciçamente nessas energias. Em alguns países, chega a 10% o índice de energia produzida por fontes alternativas, mas o resto continua com o carvão e o petróleo. Seria necessária uma mudança em grande escala, acabar com os combustíveis fósseis e desenvolver energias alternativas. Por enquanto, nenhum governo está fazendo isso, embora os cientistas já tenham dado o recado: se não mudarmos drasticamente o padrão de matriz energética, nos próximos dez ou vinte anos a situação fugirá do controle. É uma questão de rentabilidade — que é o que conta — e de competitividade.
Outra tentativa mais interessante por parte dos governos foram os Acordos de Kyoto. Eles têm alguns aspectos positivos no sentido de serem acordos em que os governos se empenham em reduzir as emissões de gás. Só que isso não funcionou, por várias razões, dentre as quais o método utilizado, que é o mercado dos direitos de emissão, que não poderia conduzir a uma efetiva redução. Mesmo que o objetivo de Kyoto tenha sido muito pequeno — reduzir em 8% as emissões, enquanto os cientistas estão dizendo que precisamos reduzir em 40% nos próximos anos —, ele não foi alcançado. Além disso, os principais poluidores, os Estados Unidos, não assinaram Kyoto. E o país que está aparecendo como o segundo colocado nas emissões, a China, tampouco assinou.
Houve uma conferência em Copenhague, em 2009, para discutir esses problemas e o que fazer com as ameaças do aquecimento global. Os Estados Unidos utilizaram o argumento de que, embora sejam os maiores responsáveis pelas emissões de gases poluentes, a China está emitindo tanto quanto eles, e, se esse país não fizer nada, não serão eles que tomarão a iniciativa. A isso o governo chinês respondeu, com certa razão, que os Estados Unidos vêm emitindo gases há um século, têm uma responsabilidade histórica. Só agora que os chineses iniciaram, portanto, os Estados Unidos é que deveriam começar a reduzir suas emissões. Só depois disso, a China poderia discutir esse assunto. Ou seja, cada um jogou a peteca para o outro. E os governos europeus disseram que se os Estados Unidos e a China, que são os principais emissores, não fazem nada, não serão eles, os europeus, que irão resolver o problema. Dessa forma, todos os governos chegaram ao acordo de que era urgente não fazer nada, cada um com seus argumentos. O resultado da conferência de Copenhague foi praticamente zero. Isso ilustra, entre outras coisas, o poder da oligarquia fóssil, ou seja, os interesses do carvão, do petróleo, da indústria automobilística, enfim, de todo esse complexo gigantesco de que dependem as energias fósseis, que não tem a mínima vontade de mudar a matriz energética.
Outra coisa que se deve dizer é que mesmo se as energias fósseis fossem substituídas pelas energias renováveis, estas também têm seus probleminhas, como os impactos socioambientais da energia hidrelétrica. Portanto, é uma ilusão achar que é só uma questão técnica, de mudar a matriz energética, embora isso seja fundamental. De qualquer maneira, teremos de reduzir significativamente o consumo de energia e, consequentemente, a produção econômica e o consumo. O desenvolvimento alternativo ao produtivismo e ao consumismo implica uma redução da produção e do consumo, a começar pelos países capitalistas avançados, evidentemente, que são os principais responsáveis e os maiores produtivistas e consumistas.
Até aqui vai o pessimismo da razão. Agora, vamos começar com o otimismo da vontade, senão fica muito triste essa história. Vou iniciar com Copenhague, onde houve a conferência oficial, que não decidiu nada, mas que também foi palco de um protesto. Saíram às ruas 100 mil pessoas da Dinamarca e da Europa, protestando contra essa inércia das potências capitalistas, levando como palavra de ordem principal: “change the system, not the climate”, ou seja, “mudemos o sistema, não o clima” — o sistema capitalista, evidentemente. Essa é a esperança, a de uma luta por transformação sistêmica, por alternativas radicais. Radical vem do latim radix, que significa raiz. Se a raiz do problema é o sistema capitalista industrial, moderno, globalizado, neoliberal, então devemos atacar a raiz do problema. Essas seriam, portanto, as alternativas radicais pós-capitalistas. Aqui vem a proposta do ecossocialismo.
Por que ecossocialismo? Em que se distingue do socialismo tradicional? O ecossocialismo é uma crítica, por um lado, do socialismo não ecológico, que foi a experiência fracassada soviética e de outros países, que do ponto de vista ecológico não representou nenhuma alternativa ao modelo ocidental. Pelo contrário, tratou de copiar o modelo produtivo do capitalismo ocidental. Ecossocialismo é uma crítica desse socialismo — ou pseudossocialismo — não ecológico, soviético, etc.
Por outro lado, é uma crítica à ecologia não socialista, que acha que podemos ter um modelo alternativo de desenvolvimento nos quadros do capitalismo, do mercado capitalista. Do ponto de vista ecossocialista, achamos que isso é uma ilusão, pela própria dinâmica de expansão necessária ao capitalismo, de crescimento, que leva necessariamente a uma colisão com a natureza e com os equilíbrios ecológicos. O capitalismo sem crescimento, sem competição feroz entre empresas e países pelos mercados, é impossível e inimaginável. Temos no ecossocialismo, desse modo, uma crítica ao ecologismo de mercado.
É uma crítica também, ou autocrítica, a certas concepções tradicionais na esquerda em geral, e no marxismo em particular, sobre o que é uma transformação socialista. Há uma visão clássica de que é preciso mudar as relações de produção — propriedade coletiva, em vez da privada — para permitir que as forças produtivas se desenvolvam, já que as relações de produção são um obstáculo ao livre desenvolvimento das forças produtivas. Mas não passa por aí. Primeiro, porque não é possível o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas. E, em segundo lugar, porque pensar em uma transformação e em um modelo alternativo de desenvolvimento implica questionar não só as formas de propriedade e as relações de produção, mas as próprias forças produtivas, o próprio aparelho produtivo.
Esse aparelho produtivo, criado pelo capitalismo ocidental, industrial, moderno, é incompatível com a preservação do meio ambiente, por sua matriz energética e por sua forma de funcionamento, que inclui o agronegócio, o uso de pesticidas, entre toda uma série de características que mostram que esse aparelho produtivo não serve. Temos que pensar em uma profunda transformação, não só das relações de produção, mas do aparelho produtivo.
Mas não é só isso: precisamos pensar em uma transformação do padrão de consumo. É insustentável o padrão de consumo do capitalismo moderno. Isso significa que seria necessária uma redução do consumo, mas para quem? Nem todo mundo tem que apertar o cinto, não é bem assim. Primeiro, é uma questão de desigualdade social. O consumo é dez ou cem vezes maior nos países avançados. Eles são os primeiros que têm que começar essa mudança. Segundo, há uma diferença enorme entre o consumo ostentatório das elites dominantes e o consumo das classes populares: uns comem feijão e milho e outros compram iates enormes, helicópteros, etc. Não é a mesma coisa. Não é o que come milho que vai ter que comer menos milho. É o que compra palácios de luxo que vai ter que reduzir drasticamente seu consumo ostentatório.
Além disso, existe no capitalismo algo que se chama obsolescência planificada dos objetos de consumo. Dentro do capitalismo, os objetos de consumo já têm, em sua própria concepção, sua obsolescência prevista para o mais rápido possível. Todo mundo sabe que a geladeira de quarenta anos atrás durava quarenta anos, e as geladeiras de agora duram três anos. Isso é necessário: para o capital vender mais e mais geladeiras, produzir mais e mais, precisa ter uma duração muito menor. É parte do padrão produtivista e consumista, e também precisa ser modificado.
Precisamos, portanto, de mudanças nas formas de propriedade, no aparelho produtivo, no padrão de consumo, no padrão de transporte. O atual modelo, baseado no carro individual para as pessoas e no caminhão para as mercadorias, é insustentável, até porque depende do petróleo. Por isso, precisamos pensar no desenvolvimento do transporte coletivo, no trem em vez do caminhão, entre outras medidas. Tudo isso vai configurando uma mudança bastante radical no padrão de civilização. Na verdade, a proposta ecossocialista, de um novo modelo de desenvolvimento mais além do produtivismo e do consumismo, coloca em questão o paradigma da civilização capitalista ocidental, industrial, moderna. É uma proposta bastante profunda. Precisamos pensar em um novo padrão de civilização, baseado em outras formas de produzir, consumir e viver. Essa é a discussão que está colocada.
É uma proposta revolucionária, mas talvez a revolução tenha que ser redefinida. Gosto muito de citar uma frase de Walter Benjamin. Em suas Teses sobre o conceito de história, ele diz: “Nós, marxistas, temos o hábito de dizer que as revoluções são a locomotiva da história. Mas talvez a coisa seja um pouco diferente. Talvez as revoluções sejam a humanidade puxando os freios de emergência para parar o trem.” É uma imagem bastante atual. Hoje em dia, somos todos passageiros de um trem, que é a civilização capitalista, industrial, ocidental, moderna. Esse trem está indo, com uma rapidez crescente, em direção ao abismo. Lá na frente há um buraco que se chama aquecimento global ou crise ecológica. Não se sabe a quantos anos de distância se encontra esse abismo, mas ele está lá. Portanto, a questão é parar esse trem suicida e mudar de direção. É o desafio colocado pela proposta ecossocialista.
Agora, muitos dirão, com razão, que é uma proposta simpática e até interessante, mas e daí, como é que vamos daqui até lá? Não basta ter uma bela utopia. Acho que temos que partir da ideia de que o ecossocialismo é algo para um futuro imaginário, mas que devemos começar aqui e agora. Começando, modestamente, com movimentações, lutas, em função da busca de alternativas. Essas alternativas já estão se construindo em movimentos, experiências e lutas atuais.
Um exemplo de uma luta desse gênero, de um brasileiro que é para mim o precursor do ecossocialismo: Chico Mendes, um socialista confesso e convicto, e ecológico. Chico Mendes organizou a Aliança dos Povos da Floresta para defender a floresta como patrimônio comum dos povos indígenas e camponeses, patrimônio do povo brasileiro em seu conjunto, e também da humanidade. A defesa da floresta é uma causa do conjunto da humanidade porque, como se sabe, as florestas — em particular a Amazônia — são os chamados “poços de carbono” que absorvem os gases que estão na atmosfera. Se não houvesse essas florestas tropicais, o processo de aquecimento global já teria escapado de qualquer controle e já estaríamos no meio da catástrofe. O que ainda breca um pouco o processo são as florestas tropicais. Na Aliança dos Povos da Floresta, Chico Mendes fez um primeiro movimento em direção ao ecossocialismo, com a ideia de propriedade comum, bem comum dos povos, bem comum da humanidade.
No Fórum Social Mundial de Belém, em 2009, por exemplo, houve uma convergência interessante entre movimentos indígenas, camponeses, ecologistas, de mulheres, entre outros, em torno de uma exigência concreta em relação à Amazônia, ao Brasil, ao Peru e a todos os países amazônicos: desmatamento zero já. É uma exigência imediata, que tem a ver com a perspectiva de salvar a floresta tropical.
Outro exemplo interessante na América Latina é o que se deu recentemente no Equador, onde há um governo de esquerda, o do presidente Rafael Correa. Nesse país, há uma região com um grande território de floresta tropical, onde vivem comunidades indígenas, chamada Parque Yasuní. Para desgraça dos indígenas, descobriram petróleo nessas terras. As multinacionais foram correndo para lá, pedindo autorização para cortar a mata e extrair petróleo. Os indígenas resistiram, protestaram, o protesto foi apoiado pela sociedade civil, pela opinião pública, pelos ecologistas, pela esquerda. O governo, que é progressista, aceitou a proposta dos indígenas e fez a proposição de deixar esse petróleo debaixo da terra, mas pedir aos governos dos países ricos, do Norte, que os indenizem em pelo menos metade do valor desse petróleo. Porque os países do Norte, da Europa, estão dizendo que querem reduzir a emissão de gases, e a melhor maneira de reduzir a emissão de gases é não queimar o petróleo e deixá-lo debaixo da terra.
Essa é a proposta para o Parque Yasuní. Há atualmente uma negociação entre o governo do Equador e outros governos, e pelo menos um deles — o da Noruega — prometeu dar o dinheiro. Já é uma vitória e um exemplo para outros países, como a Indonésia, onde já está havendo mobilizações nesse sentido.
Mencionei a manifestação de Copenhague, que também é um exemplo de esperança, de otimismo da vontade, com 100 mil pessoas nas ruas exigindo a mudança do sistema. E essa mobilização teve continuidade. De todos os governos que estavam em Copenhague, só um se solidarizou com o protesto, o governo da Bolívia. Evo Morales saiu da conferência e foi falar com os manifestantes, dizendo que eles tinham razão. E ele convocou, depois, uma conferência na Bolívia, em Cochabamba, chamada Conferência dos Povos contra o Aquecimento Global e em Defesa da Mãe Terra, que foi um evento importante, com a participação de 30 mil delegados de movimentos sociais, indígenas, camponeses, representantes da ecologia urbana, de sindicatos, de organizações de mulheres, etc. A partir daí se lançou uma campanha internacional. Esse tipo de mobilização e luta é a esperança de que a coisa possa mudar. Em cima dessas experiências é que podemos investir nosso otimismo da vontade.
Michael Löwy é sociólogo, filósofo e diretor emérito de pesquisas em Ciências Sociais no Centro Nacional de Pesquisas Científicas, da França (CNRS). É coautor, como Joel Kovel, do Manifesto Internacional Ecossocialista.
Este texto é a conferência de abertura do Seminário Abong 20 anos, intitulada “Uma nova concepção de desenvolvimento – Para superar o modelo produtivista-consumista”.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/2012/10/30/razoes-e-estrategias-do-ecossocialismo/

NOTA DE PESAR E REPÚDIO AO ASSASSINATO DO DIRIGENTE DO MST MAMEDE GOMES DE OLIVEIRA



Exigimos profunda investigação e punição dos envolvidos
 
toda morte matada,
toda morte morrida,
se for vida doada,
não é morte,
é vida
(Dom Pedro Casaldáliga)
 
A lista de camponeses, padres, freiras, sindicalistas, defensores de direitos humanos, homens e mulheres, assassinados no Estado do Pará enquanto lutavam por uma revolução econômica, social, cultural, política e ambiental, é longa. No domingo, dia 23 de dezembro, aproximadamente às 16h, mais um mártir se juntou a esta abominável relação. MAMEDE GOMES DE OLIVEIRA, 58 anos, assentado do projeto de assentamento “Mártires de Abril” e antigo coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi assassinado com dois tiros no peito quando estava em seu lote.
Mamede era um dos principais incentivadores da discussão sobre agroecologia no MST. Estudioso do tema e atencioso com todos que lá chegavam para pedir orientação, implementava na prática tudo o que teorizava. Criou, junto com sua companheira Teófila da Silva Nunes, o Lote Agroecológico de Produção Orgânica (LAPO), onde mostrava que a experiência da agroecológia    já é uma realidade.
O assassinato de Mamede continua sem resposta. No dia do crime o camponês acabava de retornar de uma área onde estava trabalhando, localizada nos fundos de seu lote, quando, alertado por seu cão, percebeu que um desconhecido estava se dirigindo para o local onde ele estava anteriormente. Ainda interpelou o estranho, que não deu muita atenção e continuou seguindo caminho. Mamede então resolveu averiguar o que estava ocorrendo, momento em que foi alvejado com dois tiros no peito, disparados a partir de um revolver calibre 38.
Denuncia anônima indicou que 03 homens chegaram a casa onde foi preso Luiz Henrique Pinheiro, um dos indiciados como autor do assassinato. Luiz Henrique até o momento se recusa a falar sobre o ocorrido, os nomes dos envolvidos ou suas motivações. Com ele foi encontrado o revolver calibre 38, com duas cápsulas deflagradas, roupas sujas de sangue e uma mala já pronta para viagem. Quando a polícia chegou ao local os outros 02 homens já haviam desaparecido.
Como não foi roubado absolutamente nada de Mamede, que estava inclusive com seu telefone celular, está descartado o crime de latrocínio.
As organizações e movimentos sociais que subscrevem esta nota exigem que os órgãos responsáveis apurem este assassinato detalhadamente, investigando e punindo exemplarmente todos os envolvidos.
Estaremos atentos e acompanhando cada passo deste processo para que este crime não fique impune, seja enquadrado como crime “banal” ou, muito menos, caia no esquecimento, como tantos outros.

MAMEDE VIVE, SEMPRE, SEMPRE, SEMPRE!
 
Belém, 26 de dezembro de 2012
 
ASSINAM ESTA NOTA:
Associação dos Concursados do Pará (ASCONPA)
Associação Sindical Unidos Pra Lutar
Comitê Dorothy
Central Sindical e Popular CONLUTAS
Diretório Central dos Estudantes/UFPA
Diretório Central dos Estudantes/UNAMA
Diretório Central dos Estudantes/UEPA
Diretório Central dos Estudantes/UFRA
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE - Amazônia)
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
Fórum Social Pan-amazônico (FSPA)
Fundo Dema/FASE
Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS)
Instituto Universidade Popular (UNIPOP)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Luta de Classes (MLC)
Movimento Estudantil Vamos à Luta
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU)
Partido Comunista Revolucionário (PCR)
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)
Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal do Pará (SINTSEP/PA)
Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Belém e Ananindeua
Vegetarianos em Movimento (VEM)
Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará (AITESAMPA)
Associação dos Empregados do Banco da Amazônia (AEBA)
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (FMAP)
Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB)
Instituto Amazônico de Planejamento, Gestão Urbana e Ambiental (IAGUA)
Mana-Maní Círculo Aberto de Comunicação, Educação e Cultura
Rede de Juventude e Meio Ambiente (REJUMA)
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN)
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Gestão Ambiental do Estado do Pará (SINDIAMBIENTAL)
Coletivo de Juventude JUNTOS
Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino Superior (SINDTIFES)
Tô Coletivo
Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL)
Grêmio EE “Ulysses Guimarães”
Coletivo de Juventude Contraponto
Associação dos Funcionários do Banpará (AFBEPA)
Levante Popular da Juventude
Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO)
Associação Brasileira dos Ogãs (ABO)
Associação das Organizações das Mulheres Trabalhadoras do Baixo Amazonas (AOMT BAM)
Associação de Artesãos do Estado do Amapá (AART-AP)
Associação de Divisão Comunitária e Popular (ADCP)
Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros de Santana (AGLTS)
Associação de Hortifrutigranjeiros Pescadores e Ribeirinhos de Marabá (AHPRIM)
Associação de Moradores Quilombolas da Comunidade de São Tomé do Aporema (AMQCSTA)
Associação de Mulheres do Abacate da Pedreira (AMAP)
Associação de Mulheres Mãe Venina do Quilombo do Curiaú (AMVQC)
Associação de Proteção ao Riacho Estrela e Meio Ambiente (APREMA)
Associação dos Moradores do Bengui (AMOB)
Associação Educacional Maria (AEM)
Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA)
Associação Grupo Beneficente Novo Mundo (GBNM)
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC)
Associação Sóciocultural de Umbanda e Mina Nagô (ACUMNAGRA)
Encanto - Casa Oito de Março - Organização Feminista do Tocantins
Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN – MA)
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)
Centro de Treinamento e Tecnologia Alternativa Tipiti (CENTRO TIPITI)
Centro Pedagógico e Cultural da Vila Nova (CPCVN)
Centro Popular pelo Direito a Cidade (CPDC)
Coletivo Jovem de meio Ambiente do Pará (CJ-PA)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Comunidade de saúde, desenvolvimento e educação (COMSAÚDE)
Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM)
Conselho Indigenista Missionário Regional N II (CIMI)
Cooperativa de Mulheres Trabalhadoras da Bacia do Bacanga (COMTRABB)
Cooperativa de Trabalho, Assistência Técnica, Prestação de Serviço e Extensão Rural (COOPTER)
Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (FAMCOS)
Federação das Entidades Comunitárias do Estado do Amapá (FECAP)
Federação de Cultos Afroreligiosos de Umbanda e Mina Nagô (FECARUMINA)
Fórum Carajás
Fórum de Participação Popular em Defesa dos Lagos Bolonha e Água Preta e da APA/Belém (Fórum dos Lagos)
Fórum dos Movimentos Sociais da Br 163 PA (FMS BR163)
Fórum dos Movimentos Sociais de Belterra (FMSB)
Fundação Tocaia (FunTocaia)
Grupo das Homossexuais Thildes do Amapá (GHATA)
Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB)
Grupo Identidade LGBT
Grupo Ipé Amarelo pela Livre Orientação Sexual (GIAMA)
Instituto de Desenvolvimento Social e Apoio aos Direitos Humanos Caratateua (ISAHC)
Instituto de Divulgação da Amazônia (IDA)
Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA)
Instituto EcoVida
Instituto Saber ser Amazônia Ribeirinha (ISSAR)
Instituto Trabalho Vivo (ITV)
Irmãs de Notre Dame de Namur (SNDdeN)
Marcha Mundial das Mulheres (MMM – AP)
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto Urbano (MSTU)
Movimento Afrodescendete do Pará (Mocambo)
Movimento de Mulheres das ilhas de Belém (MMIB)
Movimento de Mulheres Empreendedoras da Amazônia (MOEMA)
Movimento de Promoção da Mulher (MOPROM)
Movimento República de Emaús (MRE)
Mulheres de Axé
Rede de Educação Cidadã (RECID)
Sindicato das Empregadas Domésticas do Estado do Amapá (SINDOMESTICA)
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM)
Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Maranhão (STTR-MA)
Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (SODIREITOS)
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)
União Folclórica de Campina Grande (UFCG)
União Municipal das Associações de Moradores de Laranjal do Jarí (UMAMLAJ)
Pastorais Sociais da CNBB

sábado, 22 de dezembro de 2012

FASE Bahia socializa publicação sobre geração de renda com jovens camponeses



Oi Pessoal,

Acabamos de lançar a Revista de Sistematização da experiência com jovens agricultores familiares, feito pela FASE Bahia, nos anos de 2011 e 2012.
Trata-se de uma intervenção educativa que combinava assessoria técnica; formação; promoção da inclusão social; implantação de Núcleos Produtivos com jovens agricultores; e multiplicação de conhecimentos com outras famílias agricultoras da comunidade.


Maiores informações sobre os trabalhos da FASE Bahia encontram-se em http://www.fase.org.br/v2/subindex.php?id=3 .

Atenciosamente,

Paulo R. Demeter
FASE Bahia
Rua General Labatut, 78 - Barris
40.070-100 - Salvador - BA.
Telefone: (55 71) 3328-1083
Enviado por Tânia Pacheco

Articulação Nacional de Agroecologia inicia preparação do III ENA



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Mais de setenta pessoas de todas as regiões do país, representando diversos segmentos da sociedade, sobretudo do meio rural brasileiro, participaram do Seminário Convocatório do III ENA, realizado entre os dias 11 e 13 de dezembro, em Luziânia (GO). Durante três dias houve uma intensa troca de informações e debates, na perspectiva da construção do III Encontro Nacional de Agroecologia (III ENA). Foram realizadas palestras com membros da ANA e estudiosos da agroecologia e do desenvolvimento rural, como Maria Emília Pacheco, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), e o economista Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), para fazer uma análise da conjuntura sociopolítica no Brasil. Depois os participantes se reuniram em cinco grupos, divididos pelas regiões do país, para sistematizar propostas para os encontros preparatórios locais e para o encontro nacional. Até o momento está prevista para o início de 2014 a realização do III ENA, e três lugares estão em estudo: Amazônia, São Paulo e Brasília. Uma carta convocatória do encontro será produzida nos próximos meses, fruto do processo de discussão durante o seminário.
De acordo com Silvio Almeida, da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e do núcleo executivo da ANA, o seminário guardou uma grande coerência com a trajetória da articulação nesses dez anos de existência. Os principais focos, segundo ele, foram reforçados: a centralidade das experiências agroecológicas, que cresceram nos últimos anos, as políticas públicas como ferramenta para disseminação e democratização da agroecologia na perspectiva de transformação do modelo de agricultura hegemônico e a ampliação das alianças do campo agroecológico com diferentes setores da sociedade, como saúde e segurança alimentar e nutricional, para analisar e denunciar as ações do agronegócio e apoiar movimentos agroecológicos de resistência.

“Chegamos ao III ENA juntando todos esses componentes acumulados nesses 10 anos para fazer um movimento de extroversão da proposta agroecológica para o conjunto da sociedade. Devemos perguntar agora por que as pessoas devem estar interessadas em apoiar a agroecologia. Tanto como um sistema de organização do mundo rural, como um sistema através do qual são produzidos alimentos saudáveis, sem veneno, que não colocam em risco a saúde da população. São também de menores custos, portanto alimentos mais acessíveis que escapam do regime de produção e comercialização monopólica do agronegócio. Além da comunicação social e informação deve ser também um processo educativo para dizer a que vem a agroecologia”, afirmou Almeida.
A avaliação dos participantes do seminário é que o III ENA será um espaço de comunicação com a sociedade. Se o primeiro encontro foi de construção de uma identidade de diversos movimentos sociais com a agroecologia, e o segundo de denúncias dos impactos deletérios do agronegócio, o próximo evento apresentará a agroecologia como uma alternativa ao modelo hegemônico, concreta, já em curso por meio de várias experiências em todo o Brasil. Será uma atividade de afirmação do campo agroecológico para a população e os governos, levantando dados e apresentando informações sobre suas centenas de experiências. Algumas perguntas chaves vão nortear a apresentação dessas ações de resistência como uma alternativa viável de modelo de desenvolvimento. É importante ressaltar, conforme observaram no seminário, o caráter processual da construção desse encontro que não vai se esgotar em si mesmo. Faz parte de um processo desenvolvido há 10 anos e seguirá adiante na resistência dos povos e populações tradicionais.
“A agroecologia é capaz de abastecer os mercados com produtos saudáveis em qualidade e quantidade suficiente tal como é requerido pela sociedade? Ao responder essas perguntas devemos também responder quais são os principais obstáculos ao desenvolvimento da agroecologia hoje. Essa resposta incorpora a crítica ao agronegócio, à sua perspectiva universalista, de desterritorialização, de empobrecimento do campo, introdução de alimentos contaminados e de poluição ambiental. Por outro lado, devemos analisar o impacto das políticas públicas na produção a agroecologia: foi analisado pelo seminário que elas hoje são ferramentas de consolidação e expansão do agronegócio”, complementou Silvio.
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De acordo com Denis Monteiro, secretário executivo da ANA, o encontro deve afirmar a agroecologia como parte fundamental da solução aos diversos problemas enfrentados hoje em função da grave crise ambiental vivenciada no mundo, que se manifesta também no Brasil e tende a se agravar. “Em tempos de mudanças climáticas que provocam enchentes e secas, de aumento dos índices de desmatamento, assoreamento de rios, perda de solos, poluição ambiental e contaminação dos alimentos, aumento dos custos dos insumos industrializados, a agroecologia tem muito a dizer. Produz alimentos de qualidade, reforça os mercados locais em oposição aos impérios alimentares, recupera a capacidade produtiva dos solos, conserva a biodiversidade, as sementes locais e as fontes de água, resgata o patrimônio inestimável de conhecimentos dos povos e comunidades. Queremos mostrar isso no III ENA, e convocar amplos setores da sociedade a apoiar as propostas do campo agroecológico, pois temos a clareza que os desafios principais são de natureza política, e se construirmos força política, o que só se faz com apoio da sociedade, podemos avançar muito mais, envolvendo muito mais agricultores e agricultoras e ampliando a escala das experiências agroecológicas no Brasil, o que exige apoio efetivo do Estado, o que não acontece hoje em dia”, afirmou.
A expectativa é de avanços no campo agroecológico, sobretudo na ampliação e consolidação das redes, e nas políticas públicas. Os movimentos, no entanto, reconhecem algumas limitações para a realização dos eventos, como a falta de recursos. Outra fragilidade apontada até o momento é a participação ainda tímida de indígenas e extrativistas, que fortaleceriam ainda mais a agroecologia. Por outro lado, os movimentos estudantis e da juventude estão se aproximando da ANA e devem participar de forma mais efetiva. A questão de gênero, em relação à importância das mulheres na construção da agroecologia, também deve ser ressaltada nesse processo.
O objetivo do III ENA, segundo as conclusões tiradas coletivamente no seminário, é chamar a população para apoiar a agroecologia no plano político e valorizar a produção de alimentos saudáveis. Entrar em sintonia com a sociedade para ampliar a agroecologia no país. Foi constituída uma comissão organizadora do III ENA com 19 representantes de todas as regiões do país, composta pela diversidade que retrata a ANA: camponeses, quilombolas, sindicalistas, acadêmicos, movimentos sociais, povos tradicionais, etc. Essa comissão está encarregada do processo preparatório, cujas atividades estão previstas para os âmbitos estaduais e regionais.
“É um processo de sistematização de experiências, de debates, produção de conhecimento, de divulgação e, sobretudo, de sintonia do campo agroecológico com diferentes segmentos da sociedade. Através de instrumentos de comunicação criativos, que não passam necessariamente pela grande mídia, para que a gente possa pensar em novos instrumentos e circuitos de comunicação que sejam mais amplos e efetivos”, concluiu Silvio Almeida.

 
Enviado por Andréa Mendes, Rondônia - Amazônia Brasileira